ACIDENTE DA LINHA 305

Vítimas ainda esperam conclusão de inquérito e indenizações

Audiência teve a finalidade de obter informações sobre o andamento do inquérito e a assistência prestada às vítimas da tragédia

quinta-feira, 21 Março, 2019 - 22:45
Audiência pública da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Transporte e Sistema Viário no dia 21 de março de 2019

Foto: Abraão Bruck/CMBH

Denúncias de descaso e omissão por parte da concessionária da Linha 305, responsável pelo ônibus que caiu em um córrego em fevereiro de 2018 resultando em cinco vítimas fatais e 16 feridas, motivaram a realização de uma nova audiência pública na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Transporte e Sistema Viário nesta quinta-feira (21/3). Requerido por Jair Di Gregório (PP), o encontro reuniu as partes para esclarecer se as vítimas têm recebido alguma assistência, quais as medidas tomadas pela empresa e o andamento do inquérito que investiga as causas do acidente. Apontando ainda os transtornos e riscos causados pela ausência dos cobradores nos veículos, que pode ter contribuído para a ocorrência da tragédia, o vereador anunciou que irá encaminhar a questão ao Ministério Público, solicitando intervenção judicial nas empresas que persistirem no descumprimento da legislação.

Agradecendo a presença de vítimas do acidente e de familiares do motorista do ônibus, acompanhados pelo advogado Marco Túlio Marchezini; dos representantes da concessionária TransOeste, Adriano Vieira de Moura; do Setra-BH, Cissa Emanuele de Oliveira; da Delegacia Especializada em Acidentes de Trânsito, Diego Fabiano Alves; e da BHTrans, Sérgio Luís Carvalho, o requerente da audiência mencionou os problemas detectados pela comissão em diversas linhas do sistema de transporte público do município, por meio de denúncias, testemunhos e também das vistorias realizadas em estações e durante as viagens, nas quais foi constatada a ausência do cobrador, em flagrante desrespeito à Lei 10.526/17.

Declarando-se um defensor da categoria, da qual já fez parte, Di Gregório destacou a relevância das funções desempenhadas pelo agente de bordo, que além de cobrar passagens e fornecer o troco, orientam o motorista na abertura e fechamento de portas, colaboram no embarque e desembarque de idosos e pessoas com deficiência, na execução de manobras difíceis e na manutenção da ordem. Os presidentes do Movimento Volta Cobrador, Marcos Aurélio Soares, e da Associação dos Trabalhadores em Transporte Coletivo Urbano, Jaderis Araújo, confirmaram as alegações e citaram casos de sofrimento físico e mental, crises nervosas e até mesmo infartos sofridos por motoristas em decorrência do estresse e da sobrecarga de trabalho.  

O presidente da comissão, Wesley Autoescola (PHS) e os colegas Dr. Nilton (Pros) e Fernando Luiz (PSB) reforçaram a indignação dos vereadores com o descumprimento recorrente das normas e obrigações impostas nos contratos e na legislação municipal pelas concessionárias, que priorizam a economia e os lucros em detrimento dos desgastes e riscos que afetam os motoristas e os passageiros, e reafirmaram a necessidade de cobrar uma fiscalização mais rigorosa sobre o cumprimento da lei. Os parlamentares também demonstraram preocupação com a situação das vítimas do acidente com a Linha 305, que não teriam recebido nenhum auxílio ou indenização por perdas e danos.

Falha humana x falha mecânica

De acordo com a família do motorista que morreu no acidente, e o testemunho da passageira Giane Coelho, que também estava no veículo, a causa da tragédia teria sido uma falha no sistema de freios na descida de uma ladeira extensa e íngreme; ao perceber o defeito, o condutor teria alertado os passageiros e empreendido todos os esforços para minimizar o desastre. A esposa, a filha e o genro do motorista Márcio Carvalho, Duciela, Daiane e Dieg (foto) relataram que o profissional, com 20 anos de experiência na função, já havia se queixado das condições precárias e da falta de manutenção adequada dos veículos. Emocionados, eles negaram de forma peremptória a hipótese de suicídio, já que nem o comportamento nem o temperamento de Márcio nunca indicaram qualquer intenção ou inclinação para tal ato.

O advogado da família, que lamentou a ausência do Ministério Público Estadual e do Ministério Público do Trabalho na reunião, afirmou que as perícias técnicas preliminares confirmaram a falha nos freios do coletivo, o que determinaria a responsabilização da empresa e o pagamento de indenizações às vítimas. A informação, no entanto, foi contestada pelo representante da TransOeste, Adriano Vieira, segundo o qual as imagens geradas pelas câmeras internas do ônibus, já encaminhadas à delegacia, contradizem a versão das testemunhas em relação ao comportamento e às atitudes do motorista. Como o processo ainda está em andamento, os advogados preferiram não entrar em maiores em detalhes sobre as investigações.

Andamento das investigações

Adriano Vieira salientou ainda que nenhuma falha técnica havia sido relatada pelo motorista que dirigiu o ônibus na parte da manhã, e explicou que a circulação de veículos sem condições adequadas gera mais custos e prejuízos para a operadora do que a manutenção deficiente. Ele garantiu que o profissional e o veículo foram submetidos regularmente aos testes e vistorias previstos na legislação e que a empresa vem colaborando com as apurações, já tendo fornecido toda a documentação referente aos laudos de vistoria, manutenção dos veículos e as imagens produzidas pela câmera de monitoramento do ônibus acidentado.

Diego Alves, da Delegacia Especializada em Acidentes de Trânsito (foto), informou que as perícias e investigações preliminares descartam a ocorrência de falha humana e apontam para a falha nos freios do ônibus. A TransOeste, no entanto, assegurou a qualidade e a segurança dos coletivos da empresa, que possuem um moderno sistema de frenagem de emergência em caso de falhas. Apesar de o processo ainda não estar concluído, determinando que a corporação mantenha a isenção diante dos fatos, o policial tranquilizou as famílias das vítimas garantindo que as investigações estão sendo conduzidas com rigor e que a possibilidade de responsabilização do motorista é considerada “remotíssima”.

Vítimas apontam descaso

Após descrever os fatos e as circunstâncias ocorridos antes e depois do acidente, a passageira do ônibus Giane Coelho afirmou que não recebeu nenhum tipo de assistência ou auxílio por parte da empresa, e que vem custeando por conta própria os tratamentos a que se submete, até hoje, em decorrência do acidente. Segundo ela, nenhum tipo de ajuda financeira e psicológica teria sido prestada, o que a levou a entrar com a ação na Justiça. Negando as acusações de omissão, Adriano Vieira afirmou que a empresa reembolsou as despesas hospitalares, além de exames e medicamentos, fornecendo ainda uma ajuda mensal. Segundo ele, a maioria dos passageiros do ônibus aceitou os acordos extrajudiciais e já encerrou a negociações com a concessionária.

Adriano afirmou que a situação vem sendo acompanhada desde o início e que, além de custear despesas com sepultamentos e internações dos feridos, a empresa disponibilizou assistentes sociais para atender vítimas e familiares. Segundo ele, apenas seis pessoas recusaram os acordos firmados em audiências de conciliação, optando pela via judicial. Os valores das indenizações pedidas, no entanto, estariam bem acima do razoável e extrapolam a capacidade financeira da empresa. O advogado também orientou Giane a reivindicar o Seguro Obrigatório (DPVAT), que cobre todas as vítimas de acidentes de trânsito.

Enquanto a família do motorista acionou a Justiça do Trabalho, devido ao vínculo empregatício e à ocorrência do fato durante a atividade profissional, as demais vítimas ajuizaram ações indenizatórias na justiça comum.

Perda da concessão x intervenção

Após ouvir as partes, os vereadores  se declararam insatisfeitos com a argumentação da TransOeste e do Setra-BH e questionaram a qualidade e a frequência da manutenção  dos veículos, acusando as empresas de maquiar e mascarar os problemas por ocasião das fiscalizações da BHTrans. Segundo eles, denúncias apontam, por exemplo, a colocação de pneus novos apenas no momento da vistoria, que logo em seguida são retirados e trocados pelos velhos. Pneus carecas, panes mecânicas e falhas no sistema de freios e outros problemas de manutenção já teriam sido registradas e podem vir a causar mais acidentes e mortes, configurando um verdadeiro crime contra a população de Belo Horizonte.

O representante da BHTrans afirmou que as vistorias são realizadas periodicamente mas não incluem exames técnicos e mecânicos detalhados, que são de responsabilidade das operadoras. O Setra-BH e a TransOeste asseguraram o cumprimento das normas de segurança e o rigor das manutenções, afirmando que as garagens estão abertas 24h por dia para receber os vereadores e órgãos de fiscalização sem qualquer aviso prévio.  Jair Di Gregório apontou a responsabilidade direta do Setra-BH sobre o sistema e sobre as empresas que o compõem e acusou a entidade de mentir para a BHTrans, para os vereadores e para os usuários, além de se omitir diante das denúncias e reclamações.

O vereador descartou a sugestão de cancelar a concessão da empresa que reincidir no descumprimento das normas, especialmente no que se refere à ausência dos agentes de bordo, ou que não efetuar o pagamento das multas impostas pela BHTrans, que passaram de  9.000  apenas em 2018. Segundo ele, a demora dos procedimentos para uma nova concessão acabaria prejudicando os usuários. Em vez disso, ele anunciou que irá acionar o Ministério Público Estadual e solicitar a intervenção judicial nas empresas que infringirem reiteradamente as normas impostas pelo Município.

Para isso, serão juntadas e apresentadas ao órgão todas as provas, testemunhos e documentos referentes às ilicitudes, incluindo as atas das audiências e vistorias realizadas pela comissão, que deverão embasar o ajuizamento da ação.

Assista ao vídeo da reunião na íntegra.

Superintendência de Comunicação Institucional