JUVENTUDE NEGRA

Redução de homicídios contra negros passa por mais acesso a direitos civis e sociais

Ampliação de redes de combate à violência e ao encarceramento desta parcela da população foi debatida em audiência 

segunda-feira, 18 Outubro, 2021 - 14:15

Foto: Claudio Rabelo/CMBH

“A juventude negra quer viver”. A frase, que pode ser lida como um grito de socorro, um alerta e uma denúncia, é de Maria Teresa dos Santos, mulher negra de 61 anos, presidente da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas Privadas de Liberdade de Minas Gerais. Foi dita durante a audiência pública realizada pela Comissão Especial de Estudo sobre Empregabilidade, Violência e Homicídio de Jovens Negros, na manhã desta segunda-feira (18/10), no Plenário Helvécio Arantes. O encontro, além de tratar do encarceramento de jovens negros, debateu ainda o assassinato desses jovens pelas forças policiais e a necessidade urgente de implementação de políticas públicas voltadas para as comunidades periféricas, com ênfase para a educação, cultura e emprego. Na oportunidade também foi apresentado o portal Baculejo, criado, entre outras coisas, como espaço apropriado para colher denúncias de violências contra negros e negras, uma das maiores dificuldades encontradas pelas vítimas e familiares.

A audiência foi requerida pela presidente da comissão, Iza Lourença (Psol) que destacou a importância da criação de espaços de debate e de produção de dados estatísticos específicos sobre a comunidade negra em Belo Horizonte. “Temos que pensar como o Estado produz esses dados”, destacou a parlamentar explicando aos participantes que a comissão tem recebido várias denúncias de violência policial contra jovens negros. De acordo com o presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB/MG, Gilberto Silva, são muitas as violências sofridas por esta parcela da população. “As violências são diversas. Físicas, verbais e de exclusão impostas por um governo que legitima as pessoas a praticarem estas violências contra nosso povo. É preciso formar uma rede de apoio jurídico para a juventude preta. Eles sofrem violência e não tem apoio jurídico, muitas vezes por não ter como pagar um advogado. A juventude preta é o futuro dessa nação”, disse Gilberto. No Brasil, os homicídios são a principal causa de mortalidade de jovens. Segundo dados do Atlas Violência, em 2018, 75,7% das vítimas de homicídio no país eram negras. No contexto histórico, de 2008 a 2018, o número de homicídios de pessoas negras no Brasil aumentou 11,5%; já entre pessoas não negras, caiu 12,9%.

Registro de denúncias deve ajudar a combater crimes e desigualdades

Rodrigo Ednilson de Jesus é professor na Faculdade de Educação da UFMG e trabalhou junto com a Comissão Especial de Estudo sobre o Homicídio de Jovens Negros e Pobres da Câmara Municipal na legislatura passada. Segundo dados colhidos pela comissão, 70% dos jovens assassinados em BH são negros. “Meu trabalho na comissão anterior foi o de materializar, debruçar e quantificar esse fenômeno que é a violência e o genocídio contra a população negra”, afirmou Rodrigo. Ainda segundo ele é muito difícil negar esse fenômeno por já existirem dados concretos que são reforçados a partir dos relatos de familiares das vítimas. “Nos relatos ficam evidentes a violência e a dor”, destacou.

Para Leandro Zerê, do Fórum da Juventude da Grande BH e um dos articuladores da plataforma Baculejo, apesar de alguns dados já estarem disponíveis, a grande maioria dos abusos não são denunciados. “O principal BO (gíria usada para se referir a um problema e que faz menção a Boletim de Ocorrência) é o receio de acessar esses canais de denúncia. A juventude percebe que não há um número de denúncias real em relação ao que essa juventude está passando nas comunidades”, salientou Zerê explicando que geralmente as denúncias são feitas em órgãos ligados ao autor da própria violência. Zerê apresentou aos participantes um histórico da criação da plataforma Baculejo, aberta em 2020 com o objetivo de acumular dados e “mostrar ao pode público que existem essas denúncias”.

A Baculejo é uma iniciativa da sociedade civil organizada destinada a receber informações sobre situações de violência praticadas por agentes da segurança pública (policiais militares, policiais civis, guardas municipais etc) contra jovens de 15 a 29 anos, moradores da Região Metropolitana de Belo Horizonte. O objetivo da plataforma é coletar informações que auxilie na compreensão de como acontece a violência policial na RMBH e quais os perfis de jovens têm sido as suas maiores vítimas. A Baculejo foi desenvolvida a partir de parceria com o Fundo Brasil, instituição voltada a criar mecanismos inovadores e sustentáveis que canalizem recursos para fortalecer organizações da sociedade civil e para desenvolver a filantropia de justiça social.

Um dos casos de abuso apresentados durante a audiência foi o assassinato do jovem de 18 anos Richard Bicalho. Seu irmão, Michael Bicalho contou que o irmão traficava drogas e que já tinha sido jurado de morte por policiais. “Difícil falar sobre isso. Ele tinha 18 anos. Meu irmão era traficante mas era um bom rapaz e respeitava todo mundo. Falaram que iriam matar ele quando fizesse 18 anos. Ele completou e uma semana depois teve o ocorrido”, disse Michael. Segundo ele, ninguém merece ser ameaçado e morto pela polícia. “Quero justiça pelo meu irmão. Quero que fiquem na prisão. Espero que vocês compreendam esse meu desejo de justiça”, afirmou. Richard foi agredido na cabeça dentro de uma padaria e não resistiu aos ferimentos. As agressões ocorreram diante de um policial militar que, além de não prender o agressor, foi até onde Richard estava, apontando uma arma para a cabeça da vítima, e não prestou socorro. Segundo a família de Richard, os envolvidos estão presos.

Criminalização das drogas e encarceramento também foram foco de debate

Um dos grandes motivos de prisão de jovens no Brasil é o envolvimento com tráfico de drogas. Uma vez encarcerados, esses jovens têm dificuldades em voltar para o mercado de trabalho depois que são libertados. “Sou abolicionista penal porque o sistema prisional não serve pra nada. Mata o preso, os familiares e o servidor (que trabalha nas prisões). Prender pessoas não traz segurança. As unidades prisionais de Minas Gerais não tem sequer material de higiene”, afirmou Maria Tereza Santos, mais conhecida como Dona Tereza. Segundo ela, nenhuma empresa aceita ex-detento. “As empresas fecham as portas para estes meninos mas o tráfico não fecha as portas não”, afirmou.

De acordo com a advogada popular, Fernanda Oliveira, é preciso promover uma agenda nacional pelo desencarceramento e uma forma nova de encarar a relação dos jovens com o tráfico de drogas. “É preciso parar de tratar o jovem que trabalha no comércio de drogas como um perigo em si. Toda violência voltada para estes jovens é uma estratégia histórica de manutenção do poder”, salientou Fernanda, que integra a Assessoria Popular Maria Felipa e faz parte da Plataforma Baculejo.

Ações do Poder Público são fundamentais na mudança do quadro

“É preciso entender que no Brasil se morre muito e se prende muito. Também é preciso reconhecer que as pessoas que mais morrem são também as mais encarceradas”, disse Paula Nunes, advogada criminalista e co-vereadora na Câmara Municipal de São Paulo. Para Paula o debate tem que passar pelo papel que os municípios têm no debate sobre segurança pública. “Temos que ver que jovens negros nas escolas morrem menos. Jovens ligados ao esporte, lazer e cultura morrem menos. É preciso mapear no município a situação das escolas e dos espaços públicos”, explicou a co-vereadora dizendo que o trabalho exercido pela comissão formada na Câmara de BH na legislatura passada foi fundamental para a criação de colegiado similar na Câmara de São Paulo.

Em Belo Horizonte, a Guarda Civil Municipal também tem debatido o assunto. De acordo com o secretário Municipal de Segurança e Prevenção, Genilson Ribeiro, há uma mobilização em torno do tema. “Há a construção, na Guarda, de estruturas internas que cuidem de temas afetos à comunidade negra, com o objetivo de criar uma rede de proteção. Não é fácil. O desafio é grande”, disse Genilson. Segundo ele, há uma confusão em relação às políticas públicas de segurança. “A secretaria municipal não é espelho da Secretaria de Segurança do Estado. Guarda não é soldado”.

Integrante da Defensoria de Direitos Humanos de Minas Gerais, Ana Cláudia Silva, o debate fica ainda mais complicado se for levado em consideração o momento atual vivido no Brasil onde “falar em segurança pública é falar de uma política de tolerância zero que tem sido incentivada como controle dos corpos”. “Não adianta pensar em blindagem dessa juventude negra sem discutir as políticas que reforçam o racismo estrutural, focadas em parâmetros inadequados e não pautadas numa cultura democrática e de valorização da qualidade de vida. Não é só omissão do Estado. Muitas vezes é uma ação”, definiu Ana Cláudia.

Encaminhamentos

Ao final da reunião os vereadores definiram alguns encaminhamentos como a construção de uma rede de apoio jurídico a jovens negros, o chamamento da Chefia de Homicídios da Política Militar para falar do caso do jovem Richard Bicalho, a construção de articulações com a Plataforma Baculejo e com a Câmara Municipal de São Paulo e a ampliação do diálogo com o poder público sobre a elaboração de estratégias para a coleta de dados e propostas de ações de prevenção à violência contra jovens negros.

Também participaram da reunião a vereadora Macaé Evaristo (PT) e os vereadores Gilson Guimarães (Rede) e Wesley (Pros).

Assista ao vídeo da reunião na íntegra.

Superintendência de Comunicação institucional

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Audiência pública para debater o tema Juventude Negra Viva, para a exposição das questões de violências e violações de direitos contra jovens negro(a)s - 4ª Reunião - Comissão Especial de Estudo - Empregabilidade, violência e homicídio de jovens negros.