Artistas da cena musical relatam silenciamento da cultura periférica
Público presente em audiência convocou manifestação contra PLs que restringem financiamento de shows e reprodução de músicas em escolas

Foto: Dara Ribeiro/CMBH
A Comissão de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor realizou, nesta terça-feira (27/5), audiência pública para debater dois projetos de lei (PLs) que tramitam na Câmara Municipal de BH. O PL 25/2025, assinado por Vile (PL), quer vedar a contratação, com recursos públicos, de artistas ou grupos cujas músicas ou apresentações contenham apologia ao crime, conteúdo sexual explícito ou incitação ao uso de drogas. No mesmo sentido, o PL 89/2025, de autoria de Flávia Borja (DC), pretende proibir a execução de músicas com o mesmo tipo de conteúdo em escolas públicas e particulares da capital mineira. Representantes de coletivos ligados à cultura periférica, o rapper Djonga e outros músicos destacaram que as proposições promovem a criminalização de manifestações culturais como o funk, o rap e o hip-hop, que são fontes de sustento para muitas famílias. Os participantes foram convocados pelo representante do coletivo Nação Hip Hop Brasil, Saúva MC, para a realização de uma manifestação antes da votação dos projetos. Ainda foi sugerido ao colegiado que solicite dois estudos técnicos a respeito da produção artística de funk e rap em Belo Horizonte.
Juhlia Santos (Psol) que, ao lado de Pedro Rousseff (PT), solicitou a audiência pública, abriu o debate afirmando que os projetos se disfarçam de proteção, mas na realidade promovem o silenciamento de setores da sociedade.
“Projetos dessa natureza não ameaçam somente a liberdade de expressão, eles também promovem um silenciamento de vozes, e a gente sabe de onde vêm essas vozes. Essas vozes vêm das favelas, das quebradas, das periferias da cidades. A favela, as comunidades, vivem a violência e o abandono do Estado, o descaso. E não pode cantar e dizer dessa realidade? É muito contraditório”, disse a vereadora.
Já Pedro Rousseff declarou que o encontro se tratava de um preparo para o dia em que as proposições forem apreciadas em Plenário. Para o parlamentar, os textos são reprováveis, já que o funk é uma expressão popular. “Esses projetos são a maior vergonha que Belo Horizonte já viu. Desde quando o funk é crime, é bandidagem? Funk é sustento, funk é cultura. Essa Casa, se depender de mim, da vereadora Juhlia, dos vereadores de bem, nós vamos conseguir derrubar esses projetos absurdos”, afirmou.
Liberdade para produzir arte
A deputada estadual Andréia de Jesus (PT) questionou até quando manifestações culturais como o funk serão alvos de repressão. “É importante a gente mobilizar. E talvez a grande tarefa seja a de levar esses debates a todos os lugares, pensar como a gente vai reagir a isso, porque eu pergunto para vocês, que dia que o funk foi permitido? A gente recebe o ano inteiro denúncias de silenciamento. É um espaço de resistência, mas a gente vai ter que viver de resistência até quando? É inadmissível silenciar a juventude negra que produz cultura”, afirmou Andréia.
Também presente na audiência pública, o rapper Djonga afirmou que a arte "sempre teve esse papel fundamental de incomodar, de tirar as pessoas da zona de conforto". Também falou sobre a importância da liberdade para as expressões culturais.
“Acho que vir aqui falar isso é chover no molhado. Para nós aqui isso tudo é óbvio e é absurdo pensar que a gente tem que falar o óbvio ainda. Só que esse óbvio precisa ser falado porque tem gente que está querendo decidir por nós mais uma vez. Sobre o que a gente pode ouvir, sobre o que a gente pode gostar, sobre o que a gente pode querer”, declarou Djonga.
O conselheiro municipal de Cultura Lucas Sidrach afirmou que que o PL 25/2025 — que proíbe o financiamento público de shows, artistas e eventos que envolvam apologia ao crime organizado ou ao uso de drogas — seria inconstitucional. Para ele, o texto viola o artigo 5 da Constituição Federal, que garante livre manifestação artística, e o artigo 220, que proíbe a censura. “As pessoas querem decidir, sem ser pelo olhar técnico, o que pode e o que não pode ser custeado pelo poder público. Eu só queria reafirmar que não é o funk que está sendo proibido de estar nesses espaços. É o funkeiro, é a funkeira que está sendo proibida de estar nesses espaços. Quando está falando que não pode tocar na escola, não é a Anitta que vai deixar de tocar, é o nosso trabalho, é a nossa produção que está sendo impedida de ser construída no nosso território”, disse o conselheiro.
Encaminhamentos
Ao longo da audiência, os presentes sugeriram que o debate seja levado também para a Assembleia Legislativa de Minas Gerais, para que estratégias de enfrentamento sejam discutidas. Também foi sugerido que a comissão solicite dois estudos técnicos à consultoria legislativa da CMBH: um de planejamento urbanístico para entender a desburocratização da realização de eventos em periferia, e um sobre o impacto econômico da produção artística de funk e rap em Belo Horizonte.
Além disso, o representante do coletivo Nação Hip Hop Brasil Saúva MC confirmou que será realizada uma manifestação pública antes dos projetos de Lei 25/2025 e 89/2025 serem apreciados pelo Plenário, e convocou todos a participarem. Juhlia Santos informou que todas as sugestões foram anotadas. O prazo limite para duração da reunião foi atingido e o debate teve continuidade de maneira informal.
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