SAÚDE

Problemas no prontuário eletrônico do SUS-BH têm atrasado atendimentos

Profissionais relatam sumiço de informações sobre pacientes e lentidão para registros de coletas para exames

quarta-feira, 22 Outubro, 2025 - 19:30
Vereadores e convidados da audiência pública no Plenário Helvécio Arantes

Foto: Cristina Medeiros/CMBH

“A senhora olha mais para a tela do computador do que para mim”. A reclamação recebida por uma médica da rede pública quando tentava usar o sistema de prontuário eletrônico do SUS-BH durante uma consulta foi um dos motivadores para a realização de uma audiência na Câmara Municipal na tarde desta quarta-feira (22/10). A reunião, solicitada por José Ferreira (Pode) e realizada pela Comissão de Saúde e Saneamento, discutiu problemas apresentados pela Solução Integrada de Gestão Hospitalar, Ambulatorial e de Regulação (Sigrah). Profissionais relataram dificuldades para registrar informações sobre os pacientes e lentidão, o que estaria atrasando os atendimentos e deixando a população insatisfeita com os serviços de saúde. Dr. Bruno Pedralva (PT) afirmou que está pronto para entrar com uma representação no Tribunal de Contas a fim de que o órgão intervenha no contrato da PBH com a empresa que fornece o software.

Sistema inoperante

José Ferreira percorreu as 153 unidades básicas de saúde (UBS) da capital em visitas técnicas e coletou relatos comuns de problemas com o uso da plataforma, conforme contou na audiência pública. Entre as reclamações, estão o sumiço de prontuários de evolução dos pacientes, instabilidade da plataforma, lentidão, sobrecarga do sistema após 9h, duplicações de marcação de consultas e falha ao salvar cadastros lançados por agentes comunitários de saúde (ACS), entre outras questões. Segundo o vereador, o valor do contrato da PBH com a empresa MV para a criação do Sigrah foi de mais de R$ 33 milhões. 

A coordenadora de Comunicação do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Belo Horizonte (Sindibel), Aline Lara, disse que a implantação do sistema, em 2019, foi "um caos geral na atenção primária", e que muitos entraves continuam até hoje. Ela relatou que, recentemente, os profissionais tiveram que lidar com a plataforma inoperante a partir das 2h da madrugada de um domingo, o que obrigou os equipamentos a fazerem um plano de contingência nos atendimentos da segunda-feira de manhã, dia "mais crítico" nas unidades básicas, de acordo com ela. Na área de coleta de materiais para exames, o sistema limitou os atendimentos a 15 pacientes no dia, sendo que as filas ultrapassavam 40 pessoas. Aline contou que haviam "idosos, diabéticos, que estavam esperando em jejum, com material biológico que trouxeram de casa". Dr. Bruno Pedralva, que também atua como médico plantonista no SUS, disse que enfrentou o mesmo problema com o Sigrah.

Casos de violência

Um episódio semelhante a esse motivou um ato de agressão contra uma profissional de saúde em uma unidade do Barreiro, conforme contou Valberto, da Comissão de Saúde do bairro Santa Cecília. Um dos pacientes que foi mandado para casa sem receber atendimento atirou o material biológico que havia levado ao posto de saúde no rosto de uma enfermeira. Valberto disse que os casos de violência têm sido constantes e que o poder público tem sido "insensível" aos problemas, que poderiam ser resolvidos por meio da gestão pública. Ele defendeu que a PBH cancele o contrato com a MV ou “faça valer” os serviços que foram contratados.

“Quando o usuário quebra tudo, nós chamamos a Polícia Militar e a Guarda Municipal para fazer a contenção. E quando o Estado age com tamanha violência contra o usuário, eu chamo quem?”, indagou Valberto.

Atrasos no atendimento

Presente na audiência, o ex-vereador Wilsinho da Tabu, que foi relator das visitas técnicas nas unidades de saúde, contou que os problemas do sistema geram redução da capacidade de atendimento das UBS em até 40%.

"O profissional, se vai atender 10 usuários, acaba atendendo seis. O tempo que leva para utilizar o sistema Sigrah rouba o atendimento do usuário", afirmou. 

Sistemas antigos x Sigrah

Trabalhador da Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte (Prodabel) e representante do sindicato da categoria, Alisson dos Santos afirmou que a empresa também é "vítima" dos problemas do Sigrah, já que a população tende a responsabilizá-la pela plataforma, que não é de sua gestão. Ele relatou que o poder público "decidiu sucatear" as plataformas disponibilizadas pela Prodabel para uso da rede pública de saúde, impedindo melhorias nesses sistemas, a fim de contratar a solução nova. Ele defendeu o retorno dos sistemas antigos e contratação de mais profissionais para a Prodabel. 

Alisson também disse que foram alugados dois servidores novos de uma empresa estrangeira, com custo de R$ 20 milhões, para que um deles fosse utilizado para o Sigrah, a pedido da empresa MV. O servidor já estaria com 90% do processamento em uso, insuficiente para os novos módulos que estão sendo anunciados para o sistema. Para Alisson, o pedido para ampliar o servidor é um sinal de que "a empresa não consegue prever o tamanho da demanda do sistema", revelando que "não sabe resolver o problema" da plataforma. Além disso, os dados de pacientes estariam expostos para a empresa estrangeira que fornece os servidores. Nenhum representante da MV compareceu à reunião para responder aos questionamentos.

Benefícios da plataforma

Em contraponto, a profissional de saúde Valéria, do Centro de Saúde Bom Jesus, defendeu os benefícios da plataforma em comparação aos sistemas anteriores, como os paineis nas unidades que chamam os pacientes, registros do histórico dos usuários, resultados mais ágeis de exames e sistema de encaminhamento para consultas especializadas.

“O profissional tem que estudar o sistema, entender, ter curiosidade. Senão ele só vai saber reclamar, que é muito mais prático”, afirmou.

Representação judicial

Dr. Bruno Pedralva disse que houve um pedido, assinado por vereadores da Câmara Municipal, para que o Tribunal de Contas realizasse auditoria do contrato da PBH com a MV, sendo que a conclusão do órgão foi de "indícios de irregularidades" na sua execução. Ele afirmou que técnicos do tribunal orientaram seu mandato a fazer uma representação para que os desembargadores intervenham, impedindo a continuidade dos pagamentos à empresa. "A gente já está pronto com esse processo para protocolar no Tribunal de Contas", prometeu.

Resposta da Prefeitura

O secretário Municipal de Saúde, Danilo Borges Matias, afirmou que a pasta tem conhecimento dos problemas do Sigrah e que tem acompanhado semanalmente a questão. Ele disse que o sistema não foi completamente implantado ainda, mas que o término da implantação é o foco da secretaria para o restante deste ano. Ele defendeu que os sistemas antigos não conseguem mais dar conta da demanda existente na área da saúde, mas que já foram identificadas melhorias possíveis para o Sigrah.

O subsecretário de Planejamento Estratégico e Tecnologia em Saúde, Marcelo Alves Mourão, afirmou que o sistema é pioneiro e personalizado para as necessidades da rede pública de BH, mas reconheceu que "aconteceram fatos e momentos de instabilidade" e "problemas de implantação e atualização do sistema", que geraram momentos de contingenciamento. Também pediu mais detalhes sobre falhas reportadas na reunião, como prontuários que tenham sumido, já que outras reclamações do tipo mostraram que os dados estavam localizados em outros ambientes da própria plataforma, segundo relatou.

Com o fim do tempo regimental, a reunião prosseguiu informalmente.

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública para discutir o sistema Solução Integrada de Gestão Hospitalar, Ambulatorial e de Regulação (SIGRAH). 36ª Reunião Ordinária - Comissão Saúde e Saneamento