Sem licitação há 20 anos, suplementar perde na concorrência com convencional
Denúncia é da Comissão Independente do Transporte Suplementar; Renata Barra, da Tecnotrans, apresentou habeas corpus e não compareceu
Foto: Bernardo Dias/ CMBH
“Competimos com linhas sobrepostas, preços reduzidos e falta de integração; e o gestor não abre negociação, não abre diálogo”. A declaração, em tom de desabado, é do representante da Comissão Independente do Transporte Suplementar, Fábio Filomena, e foi dada durante reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a BHTrans. Reunida na manhã desta quarta-feira (18/8), a CPI ouviria também a engenheira técnica da Tecnotrans, Renata Avelar Barra Righi, apontada como sendo a responsável por elaborar as planilhas de diferentes empresas que participaram da licitação para a concessão do serviço de transporte, em 2008, o que levanta suspeita de cartel entre as participantes. A técnica, porém, apresentou habeas corpus e não compareceu. Membros da CPI decidiram pelo cancelamento de pedido de nova oitiva até decisão definitiva do Poder Judiciário sobre a matéria, já que a Procuradoria da Câmara recorreu do instrumento apresentado. Confira aqui o resultado completo da reunião.
Cidade cresceu e frota diminuiu
Licitado em 2001, quando a crise dos perueiros eclodiu na cidade, o Serviço Público de Transporte Coletivo Suplementar de Passageiros foi iniciado com 300 veículos e, de lá pra cá, a cidade que se expandiu viu o número de veículos que prestam este serviço diminuir. Hoje, segundo o permissionário Fábio Filomena, eles são 267 e que atuam com muita dificuldade. “Temos pessoas que já dispuseram de carros, casa e imóveis, acreditando no sistema”, relatou.
Para Fábio Filomena, grande parte desta dificuldade vem da invisibilidade da categoria diante das mudanças implementadas pelo gestor - a BHTrans - no transporte público da cidade ao longo dos últimos anos. “Fomos muito ouvidos até 2011, 2012, quando as portas foram fechadas para nós na BHTrans. Fomos prejudicados com a chegada do BRT, do qual acabamos excluídos e não fomos chamados”, contou.
Segundo o representante do transporte suplementar, em 2012, a categoria era responsável por 10% dos passageiros transportados, e hoje este número está na casa dos 6%. Para Fábio Filomena, a operação do sistema tem ficado a cada ano mais difícil e só intervenções do gestor podem mudar o cenário. "Somos autônomos, correntistas comuns, compramos o diesel do posto, não temos nenhum subsídio, mas geramos 500 empregos diretos e 1000 indiretos” avaliou.
Linhas sobrepostas e passagem reduzida
Perguntado se a pandemia se somou a essas perdas, Filomena respondeu positivamente como sendo este um fator a mais. Contudo, ressaltou que o BRT teve um impacto ainda bem maior sobre o sistema, ao criar diversas linhas convencionais com trajetos sobrepostos às do suplementar. “A (linha) 54, por exemplo, faz Shopping Del Rey/Dom Bosco. Com o BRT, criaram 4 linhas que fazem o mesmo itinerário, são linhas alimentadoras. Então não tem como trabalhar, competimos com linhas sobrepostas, preços reduzidos e a falta de integração, que não temos autorização para fazer. Já fomos à BHTrans diversas vezes”, relatou.
Atualmente, a tarifa do transporte suplementar é de R$ 4,50 e a alimentadora do BRT, R$ 2,85. Entretanto, segundo Fábio Filomena, o contrato dos suplementares não permite a redução das tarifas para competir com as linhas alimentadoras do transporte convencional, o que faz a categoria atuar com linhas deficitárias, atendendo em grande parte os passageiros da gratuidade. Para ele, o que equilibraria o sistema seria o cumprimento de uma cláusula do contrato que prevê um valor fixo por veículo. “Cada veículo teria o valor de R$ 27 mil, mas hoje o custo é de R$ 20 mil. Precisamos que esta cláusula seja respeitada porque, como está hoje, estamos trocando cebola”, afirmou.
Repasse na pandemia
Outra questão lembrada pelo representante da entidade foi a exclusão inicial da categoria para o recebimento dos repasses que o Município decidiu fazer em favor das empresas de transporte coletivo, por meio da compra antecipada de créditos de vales-transporte. Objeto também de investigação da CPI, a compra antecipada que soma cerca de R$ 200 milhões é parte de acordo firmado com as empresas de ônibus para manter o funcionamento do transporte público durante o período de isolamento. O valor destinado aos permissionários do suplementar, entretanto, não teria sido integralmente transferido pela Transfácil. Conforme denúncia, cerca de R$ 5 milhões repassados pela PBH à Transfácil deveriam ter sido distribuídos aos suplementares, mas só foram liberados após questionamentos feitos pela própria CPI.
Ainda segundo Filomena, há a informação de que a entidade estaria retendo R$ 2,6 milhões dos suplementares que seriam utilizados para cobrir seus honorários advocatícios. Para a vereadora Bella Gonçalves (Psol), as informações trazidas mostram a nítida necessidade de criação de sistema de bilhetagem que seja público e transparente. “São valores correspondentes a 48,8 milhões de viagens. Não concordo com o adiantamento que foi feito, mas foi feito, e agora precisamos aumentar o controle e a fiscalização da forma que esse pagamento será feito”, afirmou a vereadora, ao repercutir medida anunciada pela Prefeitura que prevê a possibilidade de que parte deste valor seja revertido a vales-transporte destinados às famílias/pessoas em situação de vulnerabilidade.
Consórcio, sindicato e cooperativa
A CPI ouviu ainda o depoimento da permissionária do transporte suplementar Edymeire Aparecida Geraldi, que trouxe denúncias sobre a atuação do sindicato e da cooperativa dos suplementares em desfavor de permissionárias viúvas, como ela, e de outros 60 beneficiários. Segundo Geraldi, que disse ter assinado, em 2006, um Termo de Acordo para permanecer prestando serviços, porém fora do consórcio dos suplementares, desde dezembro do ano passado não tem recebido pelas viagens realizadas por seu veículo. Ainda, segundo a permissionária, uma comunicação feita pelo sindicato, à BHTrans, teria indicado pelo não pagamento do adiantamento da compra dos vales-transporte feito pelo Município.
Para Bella Gonçalves, a atuação da CPI deve se dar no limite da legalidade, mas as questões trazidas pela permissionária podem ser objeto de pedidos de informação e de fiscalização. Também o presidente da Comissão, Gabriel (sem partido), solidarizou-se com a situação narrada pela permissionária e considerou tratar-se de ‘fruto de uma árvore de raiz já envenenada’, mas que a CPI continuará investigando. “Vamos continuar trabalhando até o fim pela punição daqueles que devem pagar criminalmente pelo dano a nossa cidade”, afirmou.
Assista ao vídeo com a íntegra da reunião.
Superintendência de Comunicação Institucional