MULHERES NA POLÍTICA

Vereadoras e deputadas denunciam a violência política naturalizada no país

Foram cobradas responsabilização dos agressores, posicionamento dos partidos e atuação do Estado

sexta-feira, 23 Julho, 2021 - 20:00
Tela com imagem dos participantes da reunião remota

Foto: Cláudio Rabelo/ CMBH

Interromper a fala de uma mulher, tentar explicar o que ela está falando ou dizer que ela não entendeu são manifestações machistas que têm como objetivo silenciar a mulher ou até mesmo diminuí-la. Essas atitudes, no parlamento, são consideradas violência política contra a mulher e foram denunciadas na audiência pública realizada pela Comissão de Mulheres, nesta sexta-feira (23/7). O evento foi promovido no contexto do Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, celebrado em 25 de julho, e foi solicitado pelas vereadoras Bella Gonçalves (Psol), Iza Lourença, (Psol), e Macaé Evaristo (PT). As vereadoras sugeriram que o tema seja debatido também dentro dos próprios partidos, com o objetivo de aprimorar o código de ética. A situação da vereadora de Niterói, Benny Briolly (Psol-RJ), que precisou sair do Brasil após receber ameaças de morte, e o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ) foram destaques na fala das parlamentares, que consideram inadmissível esse tipo de ocorrência em uma democracia. A deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP), que foi agredida dentro da própria casa, e Kathlen Romeu, a jovem grávida de 14 semanas atingida por um tiro de fuzil durante uma operação policial no Rio de Janeiro (RJ), também foram lembradas pelas participantes.

Racismo e redes de solidariedade

A deputada estadual Andreia de Jesus Silva (Psol) relatou situações vivenciadas na Assembleia Legislativa de MG, onde já foi comparada com animais, ouviu que precisava estudar e que “fala asneiras”. Ela destacou a urgência em descrever e tipificar as agressões sofridas pelas mulheres na política. "Para que a pessoa violentada não precise ficar se justificando, explicando que foi cerceada no seu direito de fala e que isso é uma violência. Não dá para naturalizar qualquer tipo de xingamento, injúria, calúnia que são os nomes que dão para a violência que a gente sofre, que são violências racistas". Segundo ela, é preciso avançar em estratégias de redes de solidariedade capazes de dar respostas rápidas - para além de partidos - com vistas a garantir que agressores sejam responsabilizados.

“É preciso mudar o regimento das casas legislativas, rever o código de ética e aprovar medidas efetivas de combate à violência. Precisamos de um pacto para que nenhuma mulher passe por isso”, afirmou a deputada, enfatizando que é preciso pensar estratégias para garantir que as casas legislativas sejam acolhedoras também para as mulheres e que é um desafio trazer mulheres negras para ajudar a construir esse processo. 

Papel dos partidos políticos

Ao concordar com a fala da deputada, Macaé Evaristo destacou que é preciso aprofundar o debate e questionar qual tem sido a conduta do Estado nessas situações. A vereadora sugeriu discutir esse tema dentro dos próprios partidos, analisando o código de ética de cada um e observando como se comportam em relação à violência sofrida pelas mulheres, principalmente pelas mulheres negras, no exercício do mandato.

Vereadora de Uberlândia, Dandara Tonantzin (PT) acredita haver um padrão de comportamento nessa violência que se utiliza da via institucional para barrar projetos, sem discussão. “É um modo de atuar para nos silenciar, nos boicotar. E quando eles passam a desconstruir nossa imagem é também uma forma cruel de nos silenciar e nos amedrontar porque nossa presença negra abala a estrutura de privilégio construída, provocando uma tensão que vem de todos os lados: direita e esquerda, novatos ou não na política ”, lamentou.

Ataques nas redes e ausência de debate

Dandara lembrou que sofreu uma série de ataques no canal institucional da Câmara e nem assim o presidente da Casa se manifestou. Ela contou que fez um boletim de ocorrência denunciando racismo sofrido durante um evento remoto em que um internauta escreveu “Tenho preguiça desse povo encardido”. Afirmou ainda que a violência política reproduz esse comportamento.

Para ela, não se pode naturalizar esse tipo de manifestação, sob o risco de enfraquecer a democracia e o parlamento. “É necessário que as Casas não autorizem esse tipo de comportamento”. A vereadora Iza Lourença (Psol) lembrou os ataques sofridos nas redes sociais pelas colegas Macaé Evaristo (PT), Bella Gonçalves (Psol) e Fernanda Altoé (Novo).

“Quando uma mulher preta se mexe, a sociedade inteira se sacode”, disse a vereadora de Governador Valadares (MG) Gilsa Santos (PT). A necessidade de romper com o patriarcado e o racismo e de pontuar os privilégios que a sociedade concede a pessoas brancas foi destacada em sua fala. Ao afirmar que Governador Valadares tem um histórico de mortes e violência e que é silenciosa quanto a essa violência, ela relatou as dificuldades para encaminhar pautas relevantes para a cidade. “Apresentei um projeto de lei de enfrentamento à violência política, o PL Marielle Franco, e na apresentação, antes de tomar conhecimento do teor do projeto, vários vereadores ocuparam a tribuna para depreciar a figura de Marielle, e a proposta foi arquivada sem discussão”, disse.

Gilsa Santos concordou com Dandara quando fala sobre a utilização da burocracia para silenciar os mandatos e relatou que, por meio de manobras políticas legais, em Governador Valadares, a oposição foi proibida de usar a tribuna. “É uma forma de invisibilizar nossa atuação”, concluiu. Na mesma perspectiva, Macaé ponderou que são construídas estruturas de cerceamento à participação feminina.

Falta de segurança

Vereadora de São Paulo (SP), Carolina Iara (Psol) contou que sofreu um atentado a tiros, que outras duas parlamentares também foram vítimas de atentado violento e que o Estado não foi capaz de protegê-las. “Eles me ofereceram um programa de proteção à testemunha, mas para isso eu teria que abandonar o meu mandato”, disse. Para Carolina Iara, não é fácil trabalhar com medo da morte iminente, e as agressões sofridas nas redes sociais tentam colocar as mulheres negras e as travestis em um lugar de servidão. “O mesmo acontece na Câmara, que mantém seu viés escravocrata e onde somos obrigadas a conviver com piadas obscenas todos os dias”, afirmou. De acordo com ela, na Câmara Municipal de São Paulo, projetos de lei que tenham as palavras genocídio, raça, gênero ou Marielle Franco não passam nas comissões.

Na opinião da vereadora Giuliane Quintino (PT), dizer que os homens são razão e as mulheres, emoção, é uma forma de machismo que não cabe nos dias de hoje. Eleita na cidade de Caratinga (MG), ela defende a necessidade de fazer um debate aberto na sociedade para avançar na igualdade entre homens e mulheres.

Feminicídio político

Ao denunciar que a morte de Marielle Franco foi um feminicídio político, a deputada estadual Renata Souza (Psol-RJ) afirmou que é preciso aumentar o número de mulheres ocupando espaços de poder e sugeriu a reunião de mais mulheres para construir uma democracia real. “Somos muitas construindo a possibilidade de existência de nossos corpos pretos, da nossa fala potente e necessária neste momento histórico". Ela defendeu que a violência política é um caminho perigoso e denunciou que o Estado negligencia as diversas formas de inviabilização política e de apagamento social de mulheres que atuam nos movimentos sociais. “Se nós, que somos parlamentares, encontramos dificuldades numa rede de proteção e de acolhimento, imaginem as mulheres que estão na linha de frente de lutas políticas existenciais na nossa sociedade e que se encontram ameaçadas”, alertou a parlamentar.

Para ela, a morte da jovem grávida Kathlen Romeu foi definida pela estruturação de um Estado militarizado, com uma “lógica policialesca” e de armamento da sociedade, que vê crescer cada dia mais o feminicídio por arma de fogo. “As mulheres, sobretudo as mulheres negras, estão colocadas em uma espiral de violência", denunciou.

Ela citou o pedido de cassação de seu mandato, feito pelo então governador do RJ, Wilson Witzel (PSC-RJ), durante um evento público para militares como uma tentativa de inviabilizar o mandato. “Se não mata com um tiro, tenta matar politicamente, inviabilizar politicamente mulheres pretas que se contrapõem a uma lógica de genocídio no nosso Estado”, afirmou.

Iza Lourença chamou a atenção para o fato de que o Brasil é o país que mais mata ativistas de direitos humanos no mundo e que a violência política não atinge a todas da mesma maneira. “Atinge corpos que são historicamente marginalizados”, alertou.

Falta de representatividade feminina

Vereadora de Salvador, Laina Crisóstomo (Psol) destacou que a ocupação dos espaços políticos pelas mulheres é um caminho sem volta e que a política é feita de diálogo, verdade, crítica e autocrítica. De forma enfática, ela salientou que é preciso debater o tema e despertar as mulheres para o machismo. “Não importa onde você esteja, o machismo e o racismo vão te encontrar. Não precisamos que as pessoas brancas falem em nosso nome. Precisamos que elas se manifestem contra o racismo. Precisamos de representatividade com projeto politico”, afirmou.

A defensora pública Marolinta Dutra também reconheceu com a pouca representatividade feminina nos espaços públicos de poder e afirmou que é preciso avançar para além das estatísticas. Ela destacou que o parlamento mineiro é extremamente machista e racista e “que é importante denunciar e expor atitudes inaceitáveis”. Marolinta defendeu a utilização de cotas para que jovens possam se capacitar e se fortalecer para ocupar espaços de poder e lembrou que há um pequeno índice de pessoas pretas na Defensoria Pública.

Propostas

Macaé Evaristo manifestou o desejo de estreitar laços para fazer uma ação conjunta de forma a coibir toda e qualquer forma de violência política contra as mulheres. Ela sugeriu enviar pedido de informação para o Ministério Público Eleitoral questionando como tem sido a atuação dos órgãos em caso de violência contra mulheres eleitas. Também propôs que sejam feitos debates sobre o tema nas fundações partidárias com vistas a fortalecer os mandatos de mulheres e, ainda, a construção de protocolos que permitam um acompanhamento de casos de violência política contra as mulheres. “Uma parlamentar sofre uma violência, faz uma denúncia e nada acontece?”, questionou. A vereadora sugeriu ainda que sejam feitas campanhas educativas permanentes contra a violência política sofrida pelas mulheres.

Bella Gonçalves acrescentou que é preciso fazer um debate institucional e provocar o Estado a proteger as parlamentares. “A disputa de ideias não pode motivar uma agressão e precisamos retomar esse debate de maneira coletiva”, completou.

“A grande importância da Comissão de Mulheres é mostrar a diversidade”, destacou a vereadora Fernanda Pereira Altoé (Novo), alertando para a luta coletiva sobre as pautas de “inserção, igualdade e respeito por todas as cores e todas as realidades”, completou. Também participaram do debate as vereadoras Professora Marli (PP) e Flávia Borja (Avante), afirmando abertura para ouvir e aprender com as convidadas, sobre universos tão diferentes.

Assista ao vídeo da reunião na íntegra.

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública - Finalidade: Debater sobre a data do 25 de julho que marca o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha - 20ª Reunião Ordinária - Comissão de Mulheres