Material humano é recurso mais eficaz para treinamento de cães bombeiros
Projeto quer regulamentar doação voluntária de órgãos amputados e cadáveres para adestramento canino em órgãos de segurança pública

Foto: Dara Ribeiro/CMBH
Com olfato muito mais apurado do que o humano, cães farejadores são muito utilizados em buscas de pessoas desaparecidas e situações de resgate em condições que dificultam a ação humana, como quando há escombros. Para atuar nessas operações, os animais são treinados previamente para identificar odores, incluindo o cheiro de corpos em decomposição, para a localização de vítimas de desastres, por exemplo. Buscando aprimorar a técnica ensinada, Sargento Jalyson (PL) propôs o Projeto de Lei (PL) 286/2025, que pretende regulamentar a destinação de órgãos amputados e de cadáveres humanos para fins de treinamento de cães farejadores que atuam em operações de busca, resgate e salvamento feitas por instituições de segurança pública. O PL foi discutido em audiência realizada nesta sexta (30/5), a pedido do próprio autor, com o objetivo de trazer o tema para o debate público. Integrantes do Corpo de Bombeiros Militar (CBM-MG) explicaram que o treino com material orgânico real é a única forma realmente eficaz para aprimorar a atuação dos cachorros. Osvaldo Lopes (Republicanos) disse que apoia a iniciativa do projeto, mas afirmou que vai apresentar emendas para adequá-lo às exigências da comunidade de proteção animal.
Mais eficácia em resgates
Sargento Jalyson contou que a ideia do projeto surgiu com uma visita do Corpo de Bombeiros, que levou a demanda até o vereador. Ele citou o desastre de Brumadinho, quando o rompimento da barragem do Córrego do Feijão vitimou 272 pessoas, como um exemplo de como os cães são “uma ferramenta brilhante para resgate”.
“O que nós estamos buscando é aumentar o nível de eficácia desses cães”, declarou o vereador.
Sargento Jalyson mencionou que existem outros dois projetos de lei análogos ao seu: na esfera estadual, de autoria de Coronel Henrique (PL); e federal, assinado pelo deputado federal Pedro Aihara (PRD), que também esteve presente na reunião.
O deputado federal destacou o profissionalismo do Corpo de Bombeiros, instituição em que atuou por uma década, e fez coro à declaração da importância do projeto. Ele contou que batizou sua proposição de “Até a última joia”, nome que Sargento Jalyson afirmou que também irá usar para seu PL. Aihara acentuou ainda que a regulamentação da doação de segmentos humanos pode trazer mais dignidade à destinação de órgãos amputados, já que, atualmente, esse material é tratado como resíduo hospitalar, sendo descartado como lixo.
Formação dos cães
Segundo o capitão Lucas Costa, que comanda a Companhia de Busca, Resgate e Salvamento com Cães do Batalhão de Emergências Ambientais e Resposta a Desastres (Bemad/CBM-MG), a maior dificuldade para os treinos é conseguir os “compostos orgânicos voláteis” (COV), como eles chamam os restos mortais. O convidado enfatizou que não existe outra forma de treinar os animais para a busca de pessoas mortas; é preciso utilizar substâncias reais para que o cão tenha a experiência mais próxima possível de uma operação.
O bombeiro também explicou que os animais não têm contato direto com o material orgânico nos treinamentos ou em ocorrências reais. Eles apenas sentem o cheiro e, quando encontram a origem do odor, emitem um sinal com latidos para seu condutor. O capitão acrescentou que a busca por corpos é uma das principais demandas que surgem no cotidiano de seu trabalho e, por isso, precisam de um amparo legal para conseguir realizar os treinamentos da melhor forma.
O cabo Tiago Chaves, que também atua no Bemad, explicou como é feito o treinamento dos cães, que leva cerca de um ano e meio a dois e deve começar desde filhote. O convidado reiterou que no treino eles somente incentivam instintos naturais do animal, como caçar e explorar, e focam no vínculo com o condutor. Ao encontrar a vítima ou o material que simula uma vítima, o cachorro é muito recompensado, com carinho e brinquedos, “para querer continuar fazendo isso para o resto da vida”, afirmou o cabo. Para começar a atuar de fato em campo, tanto cão como o condutor devem passar uma certificação, que acontece da mesma forma em todo o Brasil.
Diminuição do luto
Conforme ressaltado pelos participantes da reunião, encontrar corpos de vítimas desaparecidas, mesmo que já sem vida, é muito importante para ajudar familiares no processo de luto. A proposta visa melhorar a capacidade dos cães em missões de buscas, e assim “reduzir o luto das famílias e dar a elas o direito de enterrar seus entes queridos”, como afirmou Sargento Jalyson. Pedro Aihara afirmou que, quando se fala da possibilidade de utilização de segmentos corpóreos no aprimoramento desse tipo de atividade, trata-se da possibilidade de conceder muito mais dignidade às famílias de desaparecidos.
“Pode parecer até estranho o tanto que bombeiros, polícias e outros órgãos de segurança pública se esforçam para encontrar pessoas que já estão mortas, mas para a família que está ali aguardando um corpo para poder enterrar, isso faz toda a diferença”, declarou o deputado federal.
Garantias para a proteção animal
Osvaldo Lopes participou da reunião para apresentar o ponto de vista da proteção animal, dizendo que apoia a iniciativa, mas com ponderações. O vereador afirmou que vai propor emendas ao texto, como a consulta a conselhos de proteção animal, comissão de bioética e conselho de medicina veterinária, para dar mais legitimidade científica ao projeto. Além disso, reiterou que existem tecnologias avançadas que podem ser utilizadas, com bioengenharia, que simulam bem os odores, e que o material humano deve ser usado em última instância, mediante regulação específica e parecer técnico.
“O projeto precisa de emendas, porque não detalha critérios técnicos sobre forma, frequência e tempo de exposição aos materiais humanos, o que pode abrir margem para práticas abusivas sob pretexto de treinamento”, manifestou-se Osvaldo Lopes.
Apesar das ressalvas, o vereador afirmou que conhece o trabalho do Bemad e sabe que os animais são muito bem tratados, e que seus apontamentos são uma forma de deixar isso mais claro para o público. Sargento Jalyson agradeceu a contribuição e disse que todas as sugestões serão tratadas como muita seriedade.
Os bombeiros reiteraram que os animais têm todo o suporte e estrutura necessários para seu conforto e bem-estar, com área de soltura, atendimento veterinário e transporte com climatização. Ao final da audiência, os profissionais fizeram demonstrações com duas cadelas e lembraram que os treinamentos com cães são abertos ao público — quem quiser pode visitar a sede do Corpo de Bombeiros Militar para conhecer melhor.
Superintendência de Comunicação Institucional