ELEIÇÃO CONSELHO TUTELAR

Conselheiros sugerem consulta à base de dados do SUS para comprovar residência

Medida facilitaria participação de votantes que não possuem o documento; PBH vai avaliar viabilidade. GT vai revisar legislação 

quarta-feira, 10 Maio, 2023 - 23:00

Foto: Karoline Barreto/CMBH

A exigência de comprovante de residência do eleitor em seu próprio nome para participar da eleição do Conselho Tutelar, incluída no 10º processo seletivo, foi questionada por candidatos e entidades representativas dos conselheiros nesta quarta (10/5), em audiência da Comissão de Administração Pública da Câmara Municipal. A nova regra, segundo eles, impede que pessoas aptas a votar que não possuam esse documento exerçam o direito de eleger quem vai atender as crianças e adolescentes de sua região. A Subsecretaria de Cidadania e o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA-BH), responsáveis pela organização do certame, alegam que o Edital 002/2022 prevê oito formas de comprovar residência, destacando a declaração emitida pelos centros de saúde, que cadastra todos os cidadãos de sua área de referência. Para facilitar esse processo, sem exigir que os eleitores tenham de “correr atrás”, foi sugerida a disponibilização de acesso à base de dados do SUS nos locais de votação para confirmar sua residência naquela regional; a viabilidade técnica da medida será avaliada.  Acolhendo sugestão da Defensoria Pública, o requerente do encontro, Fernando Luiz (PSD), anunciou que vai encaminhar a criação de um Grupo de Trabalho (GT) para propor atualização e aprimoramento da legislação municipal que regula o tema.

Em Belo Horizonte, existem nove Conselhos Tutelares, um em cada regional administrativa, compostos por cinco conselheiros titulares eleitos a cada quatro anos por votação direta da comunidade local. Os candidatos à eleição, organizada pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) em conjunto com a Justiça Eleitoral, devem atender os requisitos estabelecidos no ECA e na legislação municipal, como experiência de dois anos em órgãos, entidades e programas que atendem crianças e adolescentes, e passar por uma avaliação de conhecimentos e aptidões mínimas para o exercício do cargo. A participação na eleição pelos moradores da regional não é obrigatória, e sim facultativa. O registro do eleitor é feito no próprio local, na hora de votar. Nas eleições deste ano, não será mais aceito comprovante de residência em nome de terceiros, o que, segundo candidatos e eleitores, excluirá uma grande parcela da população que não possui esse documento.  

Fernando Luiz afirmou que a audiência não visa a acusações e confrontos, e sim ao diálogo, à transparência e à busca de consensos entre as partes envolvidas antes da eleição, prevista para outubro deste ano. O conselheiro tutelar da Regional Nordeste Carlos Júnior, do Fórum Mineiro de Conselheiros e Ex-conselheiros Tutelares, um dos autores da reclamação, questionou a cláusula 8.5.6.2 do Edital do processo seletivo 002/2022, que, no entendimento da categoria, impede a participação de pessoas aptas a votar, limitando a ampla participação popular, que cresceu significativamente nas últimas eleições – 21 mil votantes em 2012, 30 mil em 2015 e 46 mil em 2019. A exigência da comprovação de residência exclusivamente no próprio nome, sem exceções, segundo ele, desconsidera a realidade de famílias múltiplas, fluidas, informais, segregando adolescentes, donas de casa e outros moradores que não recebem correspondência em seu nome, além de residentes de vilas e ocupações que não possuem endereço formal.

Declaração do centro de saúde

Tiago da Silva Costa, subsecretário de Direitos de Cidadania da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, e Rodrigo Zacarias, presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente, responsáveis pela organização do certame, explicaram que, da preparação do edital à realização da eleição, o processo envolve várias etapas, o que afeta a viabilidade do atendimento de reivindicações. O uso de urnas eletrônicas, por exemplo, não daria mais tempo de incorporar já nesta edição. A flexibilização de algumas condicionantes consideradas restritivas poderia pôr em risco a equidade e a segurança do processo. Outras, como o cadastro dos eleitores no dia da eleição, são determinadas na legislação e têm de ser obedecidas; a sugestão de cadastramento prévio, então, mesmo facilitando para os organizadores e participantes, não poderia ser adotada. Afirmando defender a atualização e aprimoramento das normas, eles chamaram a Casa a refletir e propor mudanças da legislação.

Interpretações mais extensivas sobre a comprovação de residência, como a aceitação de documentos de terceiros e declarações de próprio punho, embora tecnicamente possíveis, facilitam a ocorrência de fraudes, podem gerar contestações e invalidar todo o processo. “O nome dos pais na carteira de identidade, por exemplo, não comprova que o filho mora com eles”, exemplificaram. O edital permite oito formas de comprovação de endereço (itens “a” a “h” da clausula 8.5.6), que, segundo eles, atendem todos os casos. Entre elas, a mais universal é a declaração do centro de saúde em que o cidadão é cadastrado, que atesta sua residência na respectiva área de referência. A emissão desse documento já é uma praxe nas unidades, que a fornecem para moradores de ocupações e pessoas em situação de rua em caso de necessidade.

Considerando a falta de tempo, as dificuldades de deslocamento e de operacionalização de eleitores e centros de saúde na busca e na emissão dessas declarações, Carlos Júnior sugeriu a disponibilização, nos locais de votação, de um profissional da saúde com acesso à base de dados do Sistema Único de Saúde (SUS) do Município, possibilitando a consulta e verificação do registro do morador. O subsecretário se comprometeu a levar a sugestão à Prefeitura para análise da viabilidade técnica.

Outras reivindicações

Carlos Guilherme da Cruz, ex-conselheiro tutelar e hoje consultor de políticas públicas do setor, contestou o termo “denunciante” usado pelo vereador e explicou que as reclamações à comissão organizadora atenderam a provocação de vários candidatos e visam ao aperfeiçoamento do processo seletivo, garantindo sua ampliação e inclusividade. Cruz defendeu a reanálise de outras regras excludentes que possibilitam entendimentos diversos e não são aplicadas em outros municípios, como a restrição de candidatos com experiência em entidades não registradas no CMDCA-BH. Consciente de que não há mais tempo para impugnar o edital, ele lamentou que as tentativas anteriores de questionamento não foram acolhidas e que as respostas do Município que asseguraram a total legalidade do processo consideraram apenas esse viés, ignorando outros critérios, como o social.

O ex-conselheiro reivindicou ainda a necessidade de mais urnas e locais de votação, com condições mais dignas, evitando a “humilhação de passar mais de três horas na fila, debaixo de sol, muitas vezes sem acesso aos bebedouros e aos banheiros do equipamento”. “O eleitor é o protagonista do processo; não podemos cercear o direito de quem quer participar”, alertou. O subsecretário afirmou desconhecer essas ocorrências, garantindo que a escolha dos locais leva em conta as necessidades básicas e a acessibilidade dos votantes, e comunicou a incorporação do sistema da Receita Federal ao sistema utilizado na votação, que permitirá o acesso aos dados do eleitor pelo número do CPF, agilizando a identificação e reduzindo bastante o tempo de espera. Além disso, está sendo encaminhada a contratação de uma empresa para fornecer pessoal já nesta eleição, em vez de utilizar servidores voluntários, proporcionando um serviço mais profissional.

Outros conselheiros, ex-conselheiros e candidatos que acompanhavam a audiência também tiveram a oportunidade de se manifestar, citando casos de candidatos e eleitores prejudicados pelas regras e reiterando as falas e reivindicações dos representantes da categoria. Os membros da Comissão Organizadora do processo seletivo asseguraram que a prova aplicada nos candidatos é muito simples e exige apenas conhecimentos bem básicos sobre os direitos da criança e do adolescente e que nenhum candidato foi eliminado por problemas de documentação, já que o prazo para completar e resolver pendências foi prorrogado.  

Pauta comum

A defensora pública Eden Mattar, da 1ª Defensoria dos direitos das Criança e do Adolescente de Minas Gerais, e a advogada Bárbara Mascarenhas, da Comissão de Defesa da Criança e do Adolescente da OAB-MG consideraram positivo o reconhecimento, pela Prefeitura, da necessidade de promover avanços na legislação, adequando-a às novas realidades e anseios da sociedade, e a existência de consensos entre as partes. O direito da criança e do adolescente é a pauta comum e a prioridade absoluta, e todas as questões devem ser apreciadas neste viés. Reforçando a sugestão do subsecretário de Cidadania, elas propuseram a criação de um Grupo de Trabalho (GT) com efetiva representatividade de todas as partes envolvidas, para analisar e propor aprimoramentos não apenas do processo seletivo, mas também de outros aspectos relacionados aos Conselhos Tutelares. A defensora sugeriu ainda que, no âmbito do GT, sejam pensadas formas de melhorar a conscientização da sociedade e a divulgação da eleição, da qual muita gente nem tem conhecimento, incentivando a participação.

Encaminhamentos

Fernando Luiz concordou que é necessário dar mais visibilidade à eleição e pediu que a PBH trabalhe mais em sua divulgação, orientando a questão do registro no SUS como opção e desestimulando fraudes de forma incisiva. O presidente do CMDCA-BH se dispôs a acionar as comissões regionais para ampliar a divulgação sobre datas, locais e objetivos da eleição nas redes e meios de comunicação das regionais. Rodrigo Zacarias salientou ainda que o assunto não se esgota no processo seletivo, e os muitos outros aspectos relacionados ao Conselho Tutelar devem passar por ajustes e aprimoramentos contínuos, com a participação de todos. O requerente da audiência anunciou que vai encaminhar, por meio da Comissão de Administração Pública da Casa, a formação do GT com a participação da Defensoria Pública, OAB, entidades representativas dos conselheiros, para avaliar e debater possíveis aperfeiçoamentos da legislação e dos processos hoje adotados.  

Os vereadores Cláudio do Mundo Novo (PSD), Wilsinho da Tabu (PP), Wagner Ferreira (PDT) e Reinaldo Gomes Preto do Sacolão (MDB) parabenizaram a iniciativa do colega de pautar um assunto tão relevante e se colocaram à disposição para contribuir nas questões de interesse dos conselheiros e, especialmente, das crianças e adolescentes da cidade.

Superintendência de Comunicação Institucional 

Audiência pública para apurar denúncia de irregularidades no edital nº 002/2022 do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de BH