SAÚDE DA MULHER

Ultrassom ainda é gargalo no diagnóstico do câncer de mama

Fila para o exame no SUS-BH prejudica pacientes. Atendimento a mulheres indígenas, surdas e trans também precisa avançar

sexta-feira, 22 Outubro, 2021 - 16:15

Foto: Cláudio Rabelo/CMBH

A audiência pública "Outubro Rosa: prevenção ao câncer de mama", que a Comissão de Mulheres realizou nesta sexta-feira (22/10), no Plenário Helvécio Arantes, apontou problemas básicos que ainda precisam ser resolvidos pelo Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte. Entre as questões levantadas estão a fila para a realização de ultrassonografia da mama por mulheres que procuram a Rede SUS e as dificuldades enfrentadas por mulheres indígenas, surdas e trans no acesso médico/hospitalar. Segundo os participantes, o Governo Federal, por meio do SUS, mantém uma remuneração muito baixa para a realização de ultrassom, e os centros de saúde, hospitais e demais unidades de atendimento em saúde não estão preparados para o atendimento de mulheres pertencentes a grupos específicos. 

Fila para ultrassom

“Hoje não temos fila para mastologia, oncologia clínica ou radiologia. Temos fila para ultrassom”. A fala é da coordenadora da Comissão Municipal de Oncologia de BH, Soraya de Paula Paim. Segundo Soraya, o sistema de inserção online de pacientes nas unidades básicas de saúde facilitou muito o acesso e o tratamento precoce, apesar do gargalo na hora de fazer o ultrassom. “O fluxo melhorou bastante, e as pacientes não precisam ir para longe, o que facilitou a marcação”, explicou a coordenadora. Além do exame de toque e da mamografia, muitos pacientes precisam fazer o exame de ultrassom. Com ele é possível detectar lesões na mama, distinguir cistos de nódulos sólidos e obter mais informações sobre alguma lesão.

Ana Paula de Freitas é mastologista no Instituto Mário Penna, especializado em tratamento contra o câncer. Segundo ela, em 2020, foram feitos no hospital cerca de 260 mil atendimentos para todos os tipos de câncer, sendo 5399 na mastologia com 500 procedimentos cirúrgicos. “O paciente, quando tem diagnóstico chega a nós rapidamente. O que acontece é que o paciente tem dificuldade em conseguir realizar exames para ter este diagnóstico. A fila de ultrassom na rede (Municipal de Saúde) é exorbitante. Muitas pacientes arcam com isso na rede particular. A mamografia é um exame eficiente e rápido, mas o gargalo está na realização do ultrassom que acha o nódulo pequeno, que é o diagnóstico precoce”, afirmou Ana, explicando que durante a pandemia de Covid-19 o número de mamografias diminuiu, o que pode aumentar o índice de mortalidade por câncer de mama a longo prazo.

Dados apresentados pelo médico e diretor de Políticas Públicas da Associação Brasileira de Mastologia, Waldeir de Almeida Júnior, mostram que o câncer de mama é o que mais atinge as mulheres no mundo. A expectativa é que mais de 60 mil tenham a doença este ano no Brasil. Ainda segundo Waldeir, quase 50% das mulheres deixaram de fazer a mamografia por causa da Covid. “O que a gente vê na prática é a dificuldade de acesso. No Brasil, a Lei dos 60 dias não é cumprida e há pacientes que passam desse prazo”, disse Waldeir. A Lei dos 60 dias (Lei 12.732/12), que começou a vigorar em maio de 2013, garante ao paciente com câncer o direito de iniciar o tratamento no SUS em, no máximo, 60 dias após o diagnóstico da doença. O médico fez parte de debates promovidos pela Comissão de Mulheres em 2019, quando foi produzida uma carta proposta com o objetivo de reunir representantes do SUS e órgãos reguladores para tratar do tema. “Vamos marcar uma reunião presencial para discutir como atuar de forma efetiva”, disse a vereadora Fernanda Pereira Altoé (Novo), que presidiu a audiência, ao receber a sugestão do médico para que esse grupo seja efetivado.  “Acho que deveríamos realizar uma reunião com as secretarias estadual e municipal de saúde para acompanhar se foram tomadas providências a partir desse seminário de outubro de 2019”, afirmou Bella Gonçalves (Psol).

Segundo Soraya Paim, a Lei dos 60 dias vai na direção do momento da autorização do tratamento e, em BH, os problemas enfrentados dizem respeito aos pacientes do interior e à remuneração paga pelo SUS para a realização dos exames. “O SUS paga R$ 24,00 pelo ultrassom. Este é um exame que depende muito do operador e a qualidade desses exames acaba sendo muito ruim. Eu mando repetir. Fiquei surpresa ao saber que não há obrigatoriedade de (médico) radiologista em serviço de mamografia”, disse Soraya sobre a baixa remuneração e a baixa qualidade do serviço prestado, o que vem dificultando o diagnóstico precoce.

Aumento no Brasil e queda em outros países

De acordo com o presidente do Departamento de Imagem da Mama da Sociedade Brasileira de Mastologia, Henrique Couto, a mortalidade por câncer de mama vem caindo no mundo, mas no Brasil está em alta. O médico indicou dois motivos: acesso e resolutividade. “O Governo Federal orienta que de 50 a 65 anos seja feita mamografia de dois em dois anos. Com isso vamos ter o mínimo de resultado. A Sociedade Brasileira de Mastologia diz para fazer uma vez por ano acima dos 40 anos, o que nos dá o máximo de resultado. (Com exames em pessoas mais novas) vamos diagnosticar menos, mas quem for diagnosticado vai ter mais 25 anos, pelo menos, de vida produtiva”, afirmou Henrique Couto, que tratou o caso de câncer de mama diagnosticado este ano na presidente da Câmara, vereadora Nely Aquino. “Essa conversa em conjunto é muito importante. Temos que falar sobre esse assunto durante todo o ano. Temos muitas mulheres morrendo de câncer de mama”, disse Nely, que participou do encontro e agradeceu publicamente ao médico Henrique Couto pelo tratamento recebido.

Uma das formas sugeridas para melhorar o fluxo e aumentar a eficiência no combate o câncer de mama é o atendimento mais direcionado. Para o vice-presidente da Associação Médica de Minas Gerais, Gabriel de Almeida, o teste genético pode ser um caminho. “É preciso lutar por isso. Preciso frisar para que caminhemos lutando por atendimento em situações especiais como mulheres com histórico familiar de alto risco. Elas têm que ter teste genético com uso de ressonância magnética. É preciso fazer o rastreamento nessas mulheres a partir dos 25 anos. Saúde é um direito de todos, mas precisa ser individualizado para cada um que a gente atende”, disse Gabriel. Segundo ele, somente as mulheres com melhores recursos financeiros conseguem fazer o teste.

Para a enfermeira Sorângela Maria, a melhor qualificação das equipes de Saúde da Família também é um meio de melhorar o sistema. “A capacitação das equipes de saúde da família tem que ser urgente. Essa busca ativa tem que acontecer, pois no cadastro da família a gente vê até mudanças socioeconômicas da família. Os agentes comunitários de saúde são a força na educação para a saúde. Parece que não estão sendo capacitados principalmente quando o assunto é a saúde da mulher”, disse Sorângela. “Temos que fazer uma cobrança do Executivo e pensar no que o Legislativo pode efetivamente fazer”, afirmou Duda Salabert (PDT).

Tratamentos para grupos específicos

Entre as diversas falas da audiência, uma em especial chamou a atenção dos participantes. Foi a de Roseli Lucas de Oliveira, do Movimento Bilíngue Mineiro. Roseli é surda e professora na Universidade Federal de São João Del Rey. Para ela, a dificuldade enfrentada é ainda anterior àquelas ligadas a exames e acesso a tratamentos: é de comunicação. Comunicando-se por meio da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e com o auxílio de Sônia Marta de Oliveira, assessora no gabinete da vereadora Duda Salabert, Roseli contou que pessoas como ela não conseguem receber atendimento adequado. “O atendimento não nos contempla, pois não há comunicação na nossa língua. Há vários casos de mulheres surdas que vão ao mastologista com familiares. É uma violência contra essa mulher. É angustiante. Os hospitais e postos de saúde não tem atendimento em língua de sinais. Precisamos de um projeto de lei que obrigue estes locais a terem intérprete de Libras”, reivindicou Roseli contando a todos que quando foi dar à luz seu primeiro filho teve choque anafilático porque a enfermeira não conseguiu explicar o que estava aplicando. “Como ter informação sobre minha saúde na minha língua?”, perguntou Roseli. “É preciso pensar a sociedade em sua diversidade. Foi emblemático o relato da Roseli”, salientou Iza Lourença (Psol).

Outro grupo que enfrenta dificuldades no atendimento médico e no tratamento e prevenção contra o câncer de mama é a população LGBTQIA+. Wescla Vasconcelos é travesti e produtora criativa. Segundo ela, é preciso prestar atenção aos corpos que estão fora do tratamento tradicional. “Os corpos trans e travestis não podem ser esquecidos. Quem tem corpos não normativos acabam fugindo do tratamento”, disse Wescla explicando que o preconceito afugenta. Thierry Olivier Tai é homem trans e já passou por várias situações que dificultaram o acesso a exames e consultas. “Eu sou mastectomizado (retirada cirúrgica de toda a mama) e quando fiz exames foi uma dificuldade enorme. Existe um constrangimento muito grande quando vamos em clínicas. As pessoas olham torto quando um ginecologista chama a gente. Me sinto bem em frente ao profissional de saúde, mas não na frente da população”, contou Thierry.

Enfrentando problemas diferentes, mas ainda no campo da discriminação e pouco acesso, Maria Flor Guerreira contou que a situação é precária para seu povo. Ela é Pataxó e vive na região de Carmésia, em Minas Gerais. “Nós não temos acesso à unidades de saúde. Temos muitas parentes que já morreram de câncer de mama. A gente tem medo de descobrir que tem o câncer. A gente tem o problema de não ter acesso e estar com uma célula maligna dentro do corpo”, contou Maria Flor.  “O medo é um fator que afasta a mulher do serviço de saúde. Temos particularidades das diversas populações. Não tem um modelo que facilite para que algumas mulheres entrem no sistema aí temos atraso nessa entrada”, informou a representante da Sociedade Brasileira de Mastologia, Ana Maria Massaúde. “Temos que ter um Outubro Arco-íris contra o câncer de mama e pensar isso na cobrança das políticas públicas”, falou Bella Gonçalves.

A audiência foi requerida pelas vereadores Bella Gonçalves (Psol), Duda Salabert (PDT), Fernanda Pereira Altoé (Novo), Flávia Borja (Avante), Iza Lourença (Psol), Macaé Evaristo (PT), Marcela Trópia (Novo), Nely Aquino (Pode) e Professora Marli (PP).

Ações do Legislativo

A Câmara Municipal tem trabalhado na prevenção e combate ao câncer de mama por meio da elaboração de projetos de lei (PL). Atualmente, ao menos dois textos que incentivam a realização do exame de mamografia tramitam na Casa. O PL 174/2021 que cria o Programa Empresa Amiga da Saúde da Mulher e incentiva as instituições a motivarem suas funcionárias para que façam a mamografia preventiva contra o câncer de mama e o PL 1340/2014, aprovado recentemente em 2º turno, que obriga lojas que comercializam artigos femininos e que dispõem de provadores a afixar nos espelhos adesivos para alertar sobre o câncer de mama, ressaltando a importância do autoexame.

Participaram também da audiência as vereadoras Macaé Evaristo (PT), Professora Marli (PP) e Flávia Borja (Avante), que preside a comissão.

Confira aqui a íntegra da reunião.

Superintendência de Comunicação Institucional

 

Audiência pública para debater o tema do "Outubro Rosa: prevenção ao câncer de mama". Há solicitação de elaboração de Nota Técnica. - 33ª Reunião Ordinária -  Comissão de Mulheres