LÍNGUA PORTUGUESA

PL que quer proibir linguagem neutra nas escolas foi debatido em audiência

Proposição, que tramita em 1º turno na CMBH, foi defendida e criticada por parlamentares e especialistas

quinta-feira, 8 Julho, 2021 - 21:15

Foto: Bernardo Dias/CMBH

O Projeto de Lei 54/2021, que tem o objetivo de garantir aos estudantes de Belo Horizonte o direito ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com as normas e orientações legais de ensino, foi debatido em audiência pública da Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo nesta quinta-feira (8/7). O projeto, assim como o requerimento para realização da audiência, é de autoria de Nikolas Ferreira (PRTB), que pretende com a proposição proibir a denominada linguagem neutra na grade curricular e no material didático de instituições de ensino.

Na linguagem neutra, a vogal temática e o artigo são substituídos, por exemplo, pela letra “E”, de modo que a frase “os professores brasileiros” seria substituída por “es professores brasileires” com as vogais temáticas sendo trocadas por uma letra que remeta à neutralidade, neste caso a letra “E”. Também a palavra todos, por exemplo, é substituída por “todes”. A linguagem neutra, de acordo com seus defensores, tem o objetivo de tornar a língua portuguesa inclusiva para pessoas transexuais, travestis, não-binárias, intersexo ou que não se sintam abrangidas pelo uso do masculino genérico.

Já a professora Cíntia Chagas, contrária à abordagem da linguagem neutra nas escolas, afirma que os argumentos favoráveis ao seu uso não são científicos, mas ideológicos. Ainda segundo ela, crianças com dislexia são prejudicadas quando entram em contato com essa linguagem em seu processo de aprendizagem, bem como os cegos, que leem por meio de softwares, e também as pessoas surdas. Ela entende que a adoção da linguagem neutra imporia uma dificuldade completamente desnecessária para estes grupos. De acordo com a professora, há ainda, uma grande maioria que não concorda com a linguagem não-binária. Ela explica que, o latim, que dá origem à língua portuguesa, trazia os gêneros neutro, feminino e masculino. Já na passagem do latim para o português, o que era neutro foi para o gênero masculino. A professora também afirma que, na França, a linguagem não-binária foi proibida nas escolas e no ensino superior e exortou que o Brasil siga o exemplo da França. Cíntia Chagas também aponta que a língua é viva e exemplifica tal fato com a expressão “Vossa mercê”, que deixou de ser utilizada. A professora pontua, contudo, que as mudanças pelas quais a língua portuguesa passou foram “naturais”, não tendo ocorrido por conta de “questões ideológicas”.

O professor da UFRJ, Rodrigo Borba, discorda de Cíntia Chagas e aponta que nem todas as mudanças linguísticas podem ser classificadas como naturais. Ainda segundo ele, a linguagem neutra não vai destruir a herança linguística do país, não vai substituir a norma padrão, nem representa uma ameaça à norma culta. Segundo ele, a linguagem neutra é um fenômeno de acréscimo lexical e não de mudança. O professor também pontua que, de acordo com pesquisa por ele realizada, por meio da qual entrevistou mais de 100 professores, a demanda por tratar da linguagem neutra nas salas de aula vem dos alunos.

Rodrigo Borba explica que em diferentes contextos devem ser utilizados diferentes formas e registros da língua portuguesa. Ele também aponta que a linguagem neutra poderia ser utilizada por professores para abordar essa questão com os alunos. O professor da UFRJ defende, ainda, que a linguagem neutra não é uma imposição e nem acrescenta dificuldades para crianças com dislexia. Ele também afirma que a Língua Brasileira de Sinais (Libras) não tem gênero gramatical, de modo que a linguagem neutra não a afetaria. Além disso, ele afirma que a mudança de “todos” para “todes”, por exemplo, não representaria dificuldade na leitura labial por surdos, tendo em vista que, segundo ele, não representaria uma grande alteração.

Competência para legislar

Para o presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB/MG e Doutor em Direito Constitucional, Alexandre Bahia, a Câmara Municipal não teria competência para tratar da proibição da linguagem neutra nos currículos, pois questões curriculares estão na esfera de competência da União.

Ainda segundo ele, sexualidade e gênero fazem parte dos parâmetros curriculares nacionais desde 1995 como tema transversal, apesar de tais temas não serem costumeiramente abordados em sala de aula. O doutor em Direito Constitucional também chama a atenção para o fato de que vivemos em sociedade plural e diversa e aponta que a educação deve primar pela pluralidade e pela diversidade. Ele defende, ainda, que cabe às escolas explicar porque a linguagem neutra está sendo usada nas redes sociais. Ainda de acordo com ele, não é porque a linguagem neutra é demandada por uma minoria que o Estado deve dar as costas para esta demanda.

O presidente do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero (GADVS), Paulo Lotti, também defende que municípios não têm competência para legislar sobre o tema. Ainda de acordo com ele, a imposição ideológica relativa a essa questão parte daqueles que querem proibir que o tema seja tratado em sala de aula, mesmo quando trazido por alunos. Ele também afirma que o PL criaria censura em sala de aula ao proibir a abordagem da linguagem neutra nas redes de ensino.

Pessoas intersexo

Para João Maria, membro da Academia Transliteraria, movimento que luta pela arte e cultura, trans e travesti, a inclusão do gênero neutro é uma forma de dar visibilidade a pessoas intersexo. Ele, que é uma pessoa intersexo, explica que travestis, transexuais e pessoas intersexo são marginalizadas e excluídas no Brasil e sofrem preconceito nas escolas, o que gera evasão escolar destes grupos. Ainda de acordo com ele, não adianta quererem barrar a linguagem neutra porque ela já é usada no dia a dia. Para Joao Maria, os professores precisam estar capacitados para responder aos alunos quando forem questionados sobre a linguagem neutra. Ele também defende que em vez de se discutir a possibilidade de proibição da linguagem neutra nas escolas, deveriam estar em debate meios para se evitar as violações de direitos das pessoas intersexo, trans e travestis.

Projeto em tramitação

Duda Salabert (PDT) aponta que 91% das travestis e transexuais de BH não concluíram o ensino médio em BH e que, portanto, o debate que se faz necessário deve ter por meta transformar as escolas em espaços menos violentos para travestis e transexuais. Ela também defendeu que Nikolas Ferreira retire o projeto de tramitação.

Nikolas Ferreira, autor do PL, salientou que não retirará a proposição de tramitação e fez a defesa da mesma durante a audiência. Ele apresentou pesquisa que aponta que transgêneros e não-binários não representam nem 2% dos adultos brasileiros. Ele também afirma que, em outra pesquisa, o Brasil é apontado como um dos países mais seguros do mundo para turistas LGBT. Para Nikolas Ferreira, a chamada linguagem neutra atende a uma pauta ideológica específica que tenta segregar ainda mais as pessoas. Ele também aponta que tal linguagem em absolutamente nada contribui para o desenvolvimento estudantil do aluno. Nikolas Ferreira também argumenta que seu projeto foi considerado constitucional com apresentação de emendas pela Comissão de Legislação e Justiça da Câmara. O vereador aponta que compete aos municípios suplementar a legislação federal no que couber e entende que é isso o que sua proposição faz. Ele também argumenta que não prega a censura e que o aluno pode perguntar o que quiser em sala de aula. Ele aponta que o que sua proposição procura é garantir aos estudantes o direito ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com as normas legais de ensino estabelecidas com base nas orientações nacionais de Educação, pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) e da gramática elaborada nos termos da reforma ortográfica ratificada pela Comunidade dos Paises de Língua Portuguesa (CPLP).

O projeto também já recebeu parecer favorável da Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo, bem como da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor. A proposição, atualmente, tramita pela Comissão de Administração Pública em 1º turno.

Variante linguística e diversidade

Iza Lourença (Psol) defende que ensinar a norma culta nas escolas não significa excluir o ensino das variantes linguísticas nem vetar o debate sobre em quais ocasiões tais variantes podem ser usadas. Ela aponta que a língua é viva e suas mudanças acontecem em decorrência das mudanças pelas quais a sociedade passa. De acordo com a parlamentar, a linguagem neutra nas escolas surge por demanda das comunidades, uma vez que pessoas travestis, trans, intersexuais e sem gênero definido existem, convivem em sociedade e demandam respeito. Ela aponta que a linguagem neutra é usada em grupos sociais determinados e a sua proibição nas escolas não fará com que deixe de existir.

Bella Gonçalves (Psol) entende que o projeto de lei faz com que a CMBH perca tempo e afirmou que ele é inconstitucional. De acordo com a vereadora, o que é ensinado nas escolas é a norma culta da língua, mas os professores devem dialogar com os alunos sobre as variações linguísticas.

Assista ao vídeo da reunião na íntegra.

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública - Finalidade: Debater sobre o Projeto de Lei nº 54/2021, que garante aos estudantes do município de Belo Horizonte o direito ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com as normas e orientações legais de ensino -Data/hora: 08/07/202