MULHERES NA PANDEMIA

Dados e depoimentos confirmam maior carga de trabalho e adoecimento feminino

Preocupação foi apontada por profissionais e entidades. Cursos técnicos e recriação de magistério nível médio foram sugestões

sexta-feira, 26 Março, 2021 - 15:45

Foto: Ernandes Ferreira/CMBH

Sessenta por cento dos trabalhadores da educação no país sofrem com algum transtorno de ansiedade e 71% já ficaram em afastamento devido a episódios de adoecimento. Os índices, que chamam atenção por sua elevação, foram apresentados pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal (Sind-Rede/BH) durante audiência pública realizada pela Comissão de Mulheres, na manhã desta sexta-feira (26/3). Requerido por Macaé Evaristo (PT) e pela ex-vereadora Sônia Lansky da Coletiva, o encontro teve o objetivo de debater a condição da mulher na educação. Além dos números trazidos pelo sindicato, relatos de profissionais da rede confirmaram não apenas o agravamento de um quadro que já acometia os docentes antes mesmo da pandemia, mas também uma ampliação das desigualdades entre homens e mulheres trabalhadoras, em que estas últimas sofreram aumento na carga de trabalho doméstico e profissional, e ainda perda do emprego. A recriação do magistério de nível médio, a efetivação de uma política de cursos técnicos, bem como a estruturação e o contínuo debate acerca dos números apresentados foram algumas propostas levantadas.

Baixos salários, adoecimento e desigualdade

Oito em cada dez professores da educação básica são mulheres e 97% das que atuam em creches e na educação infantil também. O Brasil tem 1,4 milhão de docentes e 80% destes são mulheres, sendo que 80% ainda têm nível superior. Os números são do Censo da Educação e foram trazidos pela Diretora do Sind-Rede/BH, Andrea Carla. Para a dirigente, entretanto, há uma discrepância clara quando se trata da remuneração, quando os salários destas professoras correspondem a 67,5% da remuneração média dos trabalhadores com curso superior no Brasil, gerando, segundo Andrea, uma histórica desvalorização da carreira.

Ainda segundo a dirigente, outro dado relevante diz respeito ao adoecimento dos profissionais da área. Dados da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) apontam que 60% dos professores sofrem com algum tipo de transtorno de ansiedade e 71% já precisaram se afastar em algum momento em função de adoecimento. “E não são apenas problemas psíquicos, são de ordem ortopédica e de baixa imunidade. E isto foi agravado ainda mais com o trabalho remoto, que gerou quadros de ansiedade, depressão e cefaleia pela necessidade de se trabalhar a tecnologia sem o devido treinamento prévio”, explicou a dirigente.

Rúbia Fernanda Ferreira é professora da rede municipal, integrou a equipe colaborativa da ex-vereadora Sônia Lansky da Coletiva, e confirmou os desafios da categoria. Para ela, um resgate histórico é importante e ajuda a esclarecer o papel da educação na história da mulher, onde durante muito tempo não foi permitido às mulheres se sentarem num banco de escola. “Foi ensinado que à mulher cabia aprender a cozinhar e costurar. E, com isso, o acesso aos bancos de universidade foi ainda mais tarde. Hoje, embora sejamos maioria nas universidades, ainda somos minoria nos cursos de exatas”, observou a professora, destacando que no caso das mulheres pretas isto é ainda mais difícil.

Ainda segundo Rúbia, esta exclusão do processo educacional, onde as meninas foram distanciadas dos meninos, propiciou um fosso entre homens e mulheres, impactando diretamente na presença da mulher no mercado de trabalho.  Dados do IBGE trazidos pela professora mostram que mulheres entre 25 e 49 anos e que vivem com crianças até três anos têm uma ocupação de 54,6% no mercado de trabalho; já com os homens na mesma condição a ocupação chega a 89% nos postos de trabalho. “Enquanto não houver creches para todas as famílias não haverá mudança estrutural na participação da mulher no mercado de trabalho”, argumentou.

Cursos técnicos e magistério de nível médio

A efetivação de uma política robusta para o fomento dos cursos técnicos de nível médio tende a ser uma saída para esta disparidade ainda vivida entre postos de trabalho e salários entre homens e mulheres. Para a coordenadora dos cursos técnicos do Centro Universitário Newton Paiva, Cristiane Saldanha, na área da indústria, por exemplo, a formação técnica é essencial e não haverá avanço social se esta política não for realmente efetivada. “Se queremos falar de exclusão, temos que falar de estruturação da aprendizagem técnica. Somos o único estado no Brasil que não tem a carreira do ensino técnico, o que coloca as nossas jovens ainda mais ainda mais longe do mercado de trabalho”, afirmou a coordenadora, lembrando que em plena pandemia foi vivenciado um apagão dos técnicos de enfermagem, reflexo do baixo investimento no setor.

Corroborando nesta direção, Macaé Evaristo lembrou que um importante mecanismo para o acesso das mulheres jovens ao mercado de trabalho foram os cursos de magistério de nível médio. Embora reconheça a importância da graduação para os professores, a parlamentar do PT destacou que o retorno desta modadlidade seria um olhar e uma acolhida para a jovem pobre, negra e de periferia. “Cursos de magistério de nível médio são muito criticados, mas tinham uma grande demanda. Foi uma porta de entrada para muitas jovens acessarem o mercado de trabalho e então avançarem para o ensino superior; como foi na minha própria história”, contou a vereadora.

Também Flávia Borja (Avante) apresentou dados sobre a perda de postos de trabalhos de mulheres dispensadas em função do fechamento de escolas particulares, em especial as da educação infantil. No ano passado, 23 escolas encerraram suas atividades e em 2021 já são 21. Flávia ainda reforçou a importância do magistério de nível médio ao falar de sua trajetória pessoal. “Também fiz o magistério de nível médio e por muitos anos trabalhei na área. Só após ser mãe é que fui fazer a graduação”, lembrou.

Estruturação de dados

Iza Lourença (Psol) responsável por conduzir os trabalhos da audiência, todos os relatos e dados apresentados são importantes e demonstram o quanto é preciso avançar. Além dos números do Sind-Rede/BH, a parlamentar solicitou a formalização do envio das informações trazidas também pela professora Rúbia Fernanda e pediu que ficassem disponíveis para toda a equipe da comissão e técnicos da Casa.

Também Fernanda Pereira Altoé (Novo) pediu que fosse apresentado pela coordenadora da Newton Paiva um documento relatando os gargalos que o ensino técnico ainda apresenta no estado. Para a parlamentar, é importantíssimo que esta informação chegue ao Executivo Estadual. Ela se comprometeu ainda a encaminhar demandas da educação para pessoas com doenças raras, atendendo a pedido feito durante a reunião pela Professora Marli (PP).

Macaé Evaristo se comprometeu a apresentar requerimento solicitando à Prefeitura dados sobre adoecimento dos profissionais da rede municipal de educação nos anos de 2020 e 2021, bem como informações sobre a avaliação dos servidores com comorbidades durante o processo de retorno presencial das atividades. Sobre isso, Fernanda Pereira Altoé sugeriu que o pedido fosse apresentado também junto às Comissões de Saúde e Saneamento e de Enfrentamento à Covid-19.

Assista ao vídeo com a íntegra da reunião.

Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública para debater a condição da mulher na Educação. - 6ª Reunião Ordinária -Comissão de Mulheres