PL que prevê multa por uso de drogas em vias públicas é criticado em audiência
Movimentos sociais apontam inconstitucionalidade no texto e tentativa de criminalização da pobreza

Foto: Rafaella Ribeiro/CMBH
Entidades da sociedade civil e movimentos sociais defenderam, em audiência pública realizada nesta terça-feira (15/7), o fortalecimento e a ampliação de políticas públicas de saúde mental em detrimento de medidas que promovam a exclusão social. A reunião, realizada pela Comissão de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor a pedido de Juhlia Santos (Psol), debateu o Projeto de Lei 155/2025, de autoria de Sargento Jalyson (PL). A medida propõe a aplicação de uma multa de mais de R$ 1.000,00 a pessoas que forem pegas usando ou portando drogas ilícitas em lugares públicos da cidade. Para os participantes, o projeto de lei em questão “não cumpre requisitos básicos para tramitar” e está em desacordo com a Lei Antimanicomial e o Plano Nacional de Políticas sobre Drogas. Representantes da Defensoria Pública e da Prefeitura de Belo Horizonte apontaram a inconstitucionalidade do texto. Presente na audiência, o autor da proposição afirmou o caráter educativo e de prevenção da medida, que prevê a dispensa da multa para quem aderir ao tratamento contra a dependência química.
Para Juhlia Santos, o PL 155/2025 desconsidera "completamente" a realidade do município. A parlamentar ainda afirmou que o texto se trata de uma “proposta de punição, de exclusão social e criminalização da pobreza”, ferindo as condições de humanidade da população em situação de rua.
“Essas pessoas que estão em situação de rua, elas não precisam ser criminalizadas, elas precisam ser olhadas pelo Poder Legislativo. Elas precisam ser olhadas pelo Estado e terem garantidas as suas condições de humanidade que estão sendo retiradas”, completou Juhlia.
Criminalização no lugar do cuidado
Representantes da sociedade civil e de movimentos sociais ligados ao tema defenderam que o real objetivo do projeto é promover um "controle social" da população vulnerável, criminalizando pessoas em situação de rua. Segundo eles, Belo Horizonte precisa da estruturação e da ampliação da rede de saúde mental, com cuidado por meio de políticas públicas, e não com "coerção". Representante da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionaistas, Aline de Castro Lemos declarou que a medida é "cruel e instrumento de perseguição".
“O PL 155 é inconstitucional, ineficaz e cruel. Ele não combate a violência, ele produz violência. Os dados são claros, quem será o alvo? Os mesmos corpos já perseguidos, as pessoas negras, periféricas, em situação de rua. A fiscalização já é seletiva, e o PL 155 ao transformar o uso em infração passível de multa, dá mais um instrumento para a perseguição desses mesmos grupos, aprofundando a criminalização da pobreza”, disse Aline.
Representante da Associação dos Usuários e Familiares da Saúde Mental (Asussam), Luan Cândido fez um relato de sua experiência pessoal em unidades terapêuticas e afirmou que a oferta de acolhimento e suporte social é muito mais eficiente que medidas coercitivas. “Estamos aqui juntos no enfrentamento a esse PL para que nós, que somos usuários da saúde mental, não sejamos alvo de multa, de tratamento forçado, porque nenhum desses dispositivos vai fazer a gente melhorar com relação aos nossos sofrimentos ou com os danos causados pelas drogas. A gente quer muito que essa política nos trate com a redução de danos porque é o que realmente funciona, oferecendo tratamento sem a violação de direitos”, declarou Luan.
Inconstitucionalidade
Defensor Público do Estado de Minas Gerais, Victor Luiz de Faria reiterou o posicionamento da Defensoria Pública como “absolutamente contrário” ao projeto de lei. O defensor apresentou inconstitucionalidades presentes na proposta e afirmou que a medida não vai reduzir o consumo de drogas. Segundo Victor, a proposição fere o artigo 22, inciso I da Constituição Federal, que estabelece competência exclusiva à União para dispor sobre crime. "[O PL 155/2025] prioriza a punição de quem está portando ou consumindo drogas em via pública e não o cuidado; é a reinserção social que se busca com o plano atual de políticas sobre drogas. Ao implementar uma multa, você não vai conseguir de forma alguma reduzir o consumo de drogas, na verdade o que essa lei pretende é promover um controle social da população vulnerável”, disse o defensor público.
A diretora de Análise Estratégica de Informações da Subsecretaria de Fiscalização da PBH, Bruna Hausemer, seguiu a mesma linha e ressaltou que o Município de Belo Horizonte não tem competência legal para desempenhar as funções previstas pelo PL 155/2025. "Esse PL em questão, caso seja aprovado, pode incorrer em usurpação de função, tendo em vista que a apreensão de drogas ilícitas e a realização de perícia são atividades atribuídas à polícia e ao Poder Judiciário. O município, por sua vez, não possui competência legal nem uma estrutura técnica-operacional para desempenhar essas atribuições. Diante do exposto, nós manifestamos pela inviabilidade do projeto de lei aqui discutido”, declarou Bruna.
Contraponto
Sargento Jalyson afirmou que o PL 155/2025 tem o objetivo de prevenir e educar, e não de reprimir. O parlamentar reiterou que a proposição não tem como foco as pessoas em situação rua e que “qualquer um, seja branco ou negro, que for flagrado portando ou utilizando drogas em via pública - se esse projeto for aprovado, e eu acredito que vai ser -, será multado, porque a lei é para todos”, disse.
“Eu estou devolvendo os locais públicos para o cidadão de bem. Você quer usar droga? O problema é seu, o problema é de cada um que quer usar sua droga, mas vá usar longe dos espaços em que a gente coloca as nossas crianças para brincar, longe dos espaços públicos”, completou o vereador.
O PL 155/2025 prevê a aplicação de punições administrativas às pessoas flagradas portando ou consumindo drogas ilícitas em espaços públicos do município como ruas, avenidas, calçadas, praças, viadutos, campos de futebol, entre outros. A proposição apresentada por Sargento Jalyson estabelece a aplicação de uma multa de cerca de R$ 1.380 ao infrator. O valor ainda pode ser dobrado, em caso de reincidência em até 12 meses, ou se a infração for cometida nas imediações de escolas, hospitais, instituições prisionais, entre outros. A escolha por receber tratamento contra a dependência química pode dispensar o infrator do pagamento da multa.
Superintendência de Comunicação Institucional