Agentes de segurança de BH alertam para adoecimento psicológico da categoria
Transferências involuntárias, assédio e alto índice de suicídios foram apontados como maiores desafios

Foto: Tatiana Francisca/CMBH
A Comissão de Administração Pública e Segurança Pública da Câmara Municipal de Belo Horizonte promoveu, nesta segunda-feira (18/8), audiência pública para debater a saúde mental dos operadores de segurança. O encontro solicitado por Sargento Jalyson (PL) reuniu representantes das forças policiais, especialistas e familiares, que relataram experiências e apresentaram dados importantes sobre o adoecimento psicológico da categoria. Além do assédio moral e sexual, transferências involuntárias e exposição extrema à violência e ao estresse foram listados entre as queixas. O autoextermínio, chamado por uma especialista de ‘epidemia silenciosa’, também esteve no centro dos debates. O pai da escrivã de Polícia Civil, Rafaela Drumond, morta em junho de 2023, contou sobre a recente aprovação da Lei Rafaela Drumond, que busca combater o assédio no serviço público. Agentes de segurança e especialistas concordam que falar do tema já foi um estigma nas corporações, mas confirmam a necessidade de maior visibilidade, mais dados e políticas públicas sobre o assunto. Uma nova audiência sobre o tema ficou de ser marcada para que especialistas continuem a ser ouvidos.
Ambientes de trabalho saudáveis
Sargento Jalyson abriu o encontro lembrando que entre os anos de 2010 e 2024, 148 policiais cometeram suicídio em Minas Gerais, número que segundo ele já aumentou neste ano. Ele contou ter sido alvo de uma transferência involuntária com motivação política, fato que afetou sua vida pessoal e profissional. “Precisamos de legislações que não permitam transferências por vingança. Há um dano psicológico enorme. Além disso, é preciso combater o assédio moral e sexual, em especial contra as servidoras mulheres”, defendeu.
Vítima de adoecimento profissional, o perito criminal Erick Guimarães, da Polícia Civil de Minas Gerais, fundou o projeto "Cuide-se Policial", e tem se dedicado ao estudo do tema. Com formação em química, física e neurociência, o agente explicou como a exposição continuada a episódios traumáticos desequilibra partes essenciais do cérebro como a amígdala, o hipocampo e o córtex pré-frontal, sendo esse último responsável pelas decisões imediatas. Ele alertou que, no Brasil, um policial morre por suicídio a cada três dias, e disse que pesquisas internacionais confirmam que policiais e bombeiros estão entre os profissionais mais sujeitos ao estresse. Para Erick Guimarães, além da terapia e da medicação é preciso ambientes de trabalho saudáveis.
“Estive dependente do [medicamento] Zolpidem; usava seis por dia e, quando ele não funcionava, eu associava com vodka. Pedi ajuda e tive a resposta que eu prejudicava o serviço público. Então temos a 'tempestade perfeita' para o surgimento da ideação suicida”, relatou o agente.
‘Epidemia silenciosa’
De Portugal, a psicóloga Bárbara Souza, especialista em saúde mental, lembrou que, ao longo de 40 anos, uma pessoa comum vivencia cerca de cinco eventos traumáticos, enquanto um policial, no mesmo período, é exposto a aproximadamente 900 situações semelhantes. Já a auditora-fiscal do trabalho Luciana Veloso Baruki chamou a atenção para os riscos psicossociais e o desrespeito às normas trabalhistas vivenciados nas corporações. Ela lembrou as cargas de trabalho e plantões exaustivos a que policiais são submetidos; citou o "mascaramento" da condição dos agentes por meio da troca do CID (Classificação Internacional de Doenças); e citou relatos de perseguição a profissionais que relatam adoecimento.
Estamos vendo mais policiais morrendo por suicídio do que em combate. É uma epidemia silenciosa”, afirmou a fiscal.
Treinamento de psicólogos
E se o policial precisa de treino para o serviço de segurança, quem o assiste psicologicamente também necessita. Foi com essa premissa que o Sindicato dos Policiais Civis de Goiás conseguiu atender 3.200 policiais nos últimos dois anos. Hoje há fila de espera para novos agendamentos. Vice-presidente da entidade, a policial Eufrásia Oliveira Mourão apresentou os resultados do Projeto Mentesana, cujos atendimentos psicológicos são gratuitos aos policiais, com índice de aprovação de 98% entre os participantes. “Treinamos psicólogos para entender o perfil do policial e tratar o fenômeno de forma específica. Nós, servidores das forças de segurança, temos particularidades e muitas especificidades, e a abordagem precisa ser singular”, contou.
Instituto Rafaela Drumond
Um dos relatos mais emocionantes foi feito por Aldair Divino Drumond, presidente do Instituto Rafaela Drumond e pai da escrivã de polícia que deu nome à instituição. Ele contou que a filha, vítima de assédio, tirou a própria vida em 2023. Hoje, o instituto que fundou recebe e auxilia agentes de todas as organizações: militar, penal, da guarda municipal e bombeiros, e de diferentes partes do país. Em dezembro de 2024, a Lei Complementar 179 (Lei Rafaela Drummond), proibiu o assédio no serviço público.
“Percebi que Rafaela deixou um legado. Muitas mulheres passaram a ter coragem de denunciar os assédios sofridos após sua partida. Hoje o instituto atende policiais de todo o país”, contou Aldair.
Uma nova audiência pública sobre o tema ficou de ser agendada para aprofundar o debate e consolidar propostas de enfrentamento ao problema.
Superintendência de Comunicação Institucional