Fiscais questionam cancelamento de autuações e multas por órgão gestor
Secretário alega motivação política das ações. Categoria reafirma poder discricionário dos agentes em defesa da lei e da população
Foto: Karoline Barreto/CMBH
Autuações de barracas da ‘Feira Hippie’ por comércio de produtos industrializados, de creches conveniadas e de garagens de ônibus por ausência de laudos do Corpo de Bombeiros e outras irregularidades seriam anuladas pela Secretaria Municipal de Política Urbana, conforme relatos apresentados à Comissão de Administração Pública, nesta quarta-feira (20/3). Fiscais e sindicalistas negaram que as ações de fiscalização, não planejadas nem ordenadas pela coordenação do setor, teriam sido realizadas como forma de pressão durante as negociações salariais, alegando que o agente pode e deve exercer o poder discricionário, atuando por conta própria ao identificar infrações, especialmente se trazem riscos à população. Defendendo o diálogo, o autor da audiência, Bruno Pedralva (PT), requereu debates específicos sobre a questão das creches e das garagens e fará encaminhamentos formais à Prefeitura sobre as outras demandas apontadas, como ampliação dos quadros, melhoria da estrutura e participação da categoria na definição das metas.
Segundo o requerimento, o pedido da audiência foi motivado pela denúncia encaminhada por representantes dos fiscais de Controle Urbanístico e Ambiental ao Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de BH (Sindibel), à Secretaria Municipal de Política Urbana (SMPU) e à Subsecretaria de Fiscalização, subordinada à pasta, sobre a tolerância do Município em relação à venda de produtos industrializados na Feira de Artes e Artesanato da Afonso Pena, antiga Feira Hippie. No documento, os agentes apontam ‘denúncias de não aplicação da legislação vigente por ordem expressa de autoridade do Executivo Municipal’. Após as operações, em dezembro de 2023, os agentes teriam recebido orientação para não aplicarem a legislação e os autuados teriam sido comunicados de que “não precisavam se preocupar”.
Da mesma forma, autuações de creches conveniadas e de garagens de ônibus pela não apresentação de laudo do Corpo de Bombeiros e outras irregularidades teriam sido desautorizadas pelo secretário, conforme relatos de servidores. Ações de fiscalização em creches conveniadas e garagens de ônibus realizadas por iniciativa dos próprios fiscais, que constataram irregularidades, também teriam sido desautorizadas pelo órgão gestor. Pedralva afirmou que, em reunião com João Antônio Fleury e a categoria, infelizmente não se chegou a um consenso. Considerando a falta de encaminhamentos concretos, enviou requerimento ao Ministério Público solicitando abertura de inquérito civil pelo não cumprimento da legislação municipal e decidiu pautar o tema no Legislativo. “É obrigação da PBH fiscalizar e fazer cumprir as normas; qualquer que fosse o prefeito, ou a coloração político partidária, eu defenderia a autonomia da fiscalização, que é uma entidade de estado, e não de governo”, declarou.
Poder discricionário
Israel Arimar de Moura, fiscal e coordenador do Sindibel; Wilber Henrique, do Coletivo de Fiscais Municipais; os fiscais Sílvia Mourão, Marcelo Navarro e Alisson Caldeira, com mais de 25 anos de atividade; e Guilherme Parreira de Castro, aprovado no último concurso público para a função, representaram a categoria e expuseram a situação. Segundo eles, em dezembro de 2023, foi encaminhado ofício aos gestores do setor e ao sindicato apontando: 1) o grande volume de produtos industrializados na Feira, denunciados por artesãos prejudicados pela concorrência desleal e ilegal; as notificações, porém, foram contestadas pelos infratores, sob alegação de que o próprio secretário os teria informado da nulidade da ação; 2) a identificação de 60 creches conveniadas funcionando sem laudo do Corpo de Bombeiros e plano de emergência, pondo em risco a vida de crianças; 3) garagens de ônibus descumprindo legislação ambiental, algumas guardando combustível no local, sem laudo e seguro para terceiros.
Informado de que a secretaria solicitou parecer da Procuradoria Geral do Município (PGM) sobre a anulação dos atos fiscais por desvio de finalidade, pois as ações teriam sido feitas como forma de pressionar a Prefeitura, o sindicato contestou, alegando que a negociação salarial, sem resultados, foi encerrada em novembro, e as ações ocorreram em dezembro. A utilização do poder discricionário, segundo eles, não teve motivação política. “Qualquer agente público que vê crianças em risco de morrer queimadas, empresas que receberam subsídio de meio bilhão funcionando irregularmente espera que a secretaria sane os problemas imediatamente, o que não foi feito; ao contrário, pediu anulação”, protestou Arimar. “O próprio parecer da PGM, embora entenda que as multas podem ser anuladas, recomenda que as situações sejam verificadas e corrigidas”.
“As normativas dizem que, em caso de risco à população, não é desvio de finalidade; mas, ainda que fosse, as denúncias foram feitas em dezembro e até agora, já no final de março, nada foi feito”, reclamaram os fiscais. Segundo relatos, a Secretaria Municipal de Educação teria dito ao gerente de uma das creches que elas não precisariam se preocupar com ação dos fiscais, pois não haviam sido autorizadas e todas as multas seriam canceladas. No entendimento da categoria, se as oficinas e creches não estão cumprindo a legislação, não exigir regularização ou mesmo interditar os estabelecimentos é prevaricação, e o Sindicato quer acompanhar discussão no Ministério Público. “Fiscal é agente de estado, e não de governo; qual o papel do fiscal em seu poder discricionário quando vê um risco?”
Estrutura insuficiente
Os participantes também ressaltaram a necessidade da nomeação de mais agentes de fiscalização; uma lei aprovada em 2022 extinguiu mais de 200 cargos. Segundo levantamento, Belo Horizonte é a capital com menor quantitativo em proporção à população, com apenas um fiscal para 8.068 pessoas, enquanto São Paulo possui um para cada 4 mil pessoas, Manaus, um para 5 mil e Fortaleza, um para cada 6 mil. As equipes, reduzidas, também estariam trabalhando sem estrutura, equipamento, apoio e segurança adequados.
Nos últimos anos, a fiscalização parou de fazer o trabalho discricionário e passou a fiscalizar apenas sob demanda da gerência, criando situações de injustiça. A categoria deliberou que, além de atender essas demandas, deveria atuar de forma espontânea ao constatar irregularidades. “Não somos marionetes, não estamos aqui para satisfazer interesse pessoais, políticos e partidários de ninguém, e sim com o propósito de promover o ordenamento da cidade, garantir direitos e deveres da população”, reafirmaram.
Secretário reafirma posição
O secretário municipal de Política Urbana, João Antônio Fleury, reafirmou que o pedido de anulação, por desvio de finalidade, das ações mencionadas – legítimas, mas não espontâneas – se baseou no que de fato ocorreu: “tenho testemunhas”. Sobre a feira, ele afirmou que, após um árduo trabalho de recadastramento, classificação de produtos, expulsão de invasores e eleição de representantes legais para discutir as demandas, foi concedido mais prazo para os feirantes se adequarem, já que muitos tiveram que vender produtos industrializados para se recuperar das perdas da pandemia. Temos conhecimento, já está mapeado, vamos agir sim”, assegurou.
Fleury ponderou que a interdição das creches seria irresponsável, deixando 7 mil crianças desassistidas. A Secretaria de Educação, segundo ele, estaria contratando técnico para elaboração de laudos, suprindo as dificuldades alegadas pelo Corpo de Bombeiros; e a Superintendência de Mobilidade (Sumob) teria cronograma para a apresentação de laudos. O gestor concordou que, quando o fiscal identifica situação irregular, tem que agir; mas os atos de dezembro foram sim uma ação política da categoria. Segundo ele, é preciso haver organização planejamento, coordenação; se cada um agir por vontade própria, “vira bagunça”. “Se a questão foi encaminhada ao MP, retomamos a discussão lá”.
Encaminhamentos
Israel Arimar ressalvou que o posicionamento da PGM que admite a anulação das ações de fiscalização considerou não os fatos, mas sim o relato da SMPU. Em nenhum dos casos mencionados, as ações fiscais foram acima ou fora da lei, e buscam proteger os interesses e a segurança da população. Dessa forma, antes de dar prosseguimento ao debate da questão, o Sindicato vai aguardar o parecer solicitado ao órgão pela entidade, que relata a versão dos fiscais. Quanto à fala do diretor da creche, cabe ao Ministério Público checar. Para ele, é necessário pacificar a questão do poder discricionário dos fiscais, baseado na lei.
Pedralva informou que, para apurar o que deverá ser feito concretamente a respeito dos apontamentos dos fiscais foram agendadas outras duas audiências públicas (dia 3/4 na Comissão de Educação, para debater a questão das creches; e dia 4/4 na Comissão de Mobilidade Urbana, para debater a questão das garagens de ônibus). O parlamentar anunciou que vai solicitar a manifestação formal da Prefeitura acerca do direito e necessidade da ação discricionária dos fiscais; e uma reunião conjunta com o secretário de Planejamento, Orçamento para sugerir a nomeação de todos os aprovados no concurso e a apresentação de projeto de lei pelo Executivo criando novos cargos.
Superintendência de Comunicação Institucional