Cultura africana

Representantes de Reinados pleiteiam menos burocracia e mais apoio da PBH

Formulários para as leis de incentivo são de difícil preenchimento. Representantes do Executivo estão abertos a ação conjunta

segunda-feira, 12 Setembro, 2022 - 19:45
Oito pessoas, todas afrodescendentes, participam de reunião presencial. À direita, três assessores acompanham a reunião.

Foto: Abraão Bruck/CMBH

Menos burocracia na concessão de benefícios de apoio aos eventos de matriz africana e na inscrição dos mesmos em leis de incentivo, aumento de espaço efetivo desses eventos junto à Prefeitura e maior intercâmbio entre as secretarias municipais envolvidas foram as principais reivindicações de lideranças de Reinados em audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor, nesta segunda-feira (12/9). Solicitado pela vereadora Macaé Evaristo (PT), o evento tinha o objetivo de debater a importância da promoção e valorização da tradição do Reinado em Belo Horizonte; a falta de execução das metas do Plano Municipal de Igualdade Racial e a violação dos direitos dos povos tradicionais do Reinado. Representantes das Secretarias Municipais de Cultura (SMC) e de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania (Smasac) e do Conselho Municipal de Igualdade Racial (Compir) sugeriram soluções para os problemas apresentados. As secretarias se comprometeram a realizar o cadastro dos Reinados no Mapa Cultural, ação que irá facilitar o preenchimento de formulários e o recebimento de benefícios futuros. Macaé irá fazer indicações para a ação conjunta das pastas, a realização de audiência da Secretaria de Cultura com os povos dos Reinados e a inclusão de pontos que atendam às comunidades dos Reinados na Caravana da Cultura, que esclarece dúvidas dos empreendedores culturais sobre a inscrição de projetos em editais como o da Lei Aldir Blanc (Lei 14.017/2020).

Falta suporte e valorização
 
A vereadora disse que, em reunião realizada com representantes do Congado e do Reinado Nossa Senhora do Rosário, em junho, teve conhecimento das dificuldades enfrentadas pelas entidades no preenchimento dos formulários de editais de cultura, bem como na prestação de contas em caso de aprovação. Entre as demandas apresentadas estavam a dificuldade de solicitar banheiros químicos, transporte, tendas e outros artefatos para a Prefeitura. A vereadora destacou que no Plano Municipal de Igualdade Racial, previsto na Política Municipal de Promoção da Igualdade Racial e aprovado pela Compir, há o objetivo de valorizar o Patrimônio Cultural Imaterial das Comunidades de Reinado. Ela sugeriu a criação de editais simplificados que facilitem a inscrição dos Reinados e abriu o diálogo entre eles e a PBH para que pudessem ser encontradas soluções para os temas abordados.

Aparecida Reis, professora, documentarista, integrante do coletivo Rosário do Bem e reinadeira da Irmandade 13 de Maio, afirmou que a cultura é o principal arcabouço para a vida com dignidade. “Participar do Reinado nos fortalece e a formação e o desenvolvimento de políticas públicas que fortaleçam a dignidade é fundamental”, afirmou. Reis defendeu a oralidade como a base da formação do indivíduo e o respeito à livre manifestação religiosa. 
 
A representante do Compir, capitã da Guarda de Moçambique e integrante da Federação de Congados de Minas Gerais, Elizângela Santos, disse que os representantes dos Reinados têm dificuldades na inscrição e prestação de contas de Leis como a Aldir Blanc. Ela disse que as 40 irmandades existentes na cidade movimentam o calendário de eventos, mas não são tão valorizadas como a festa junina, por exemplo. A dificuldade em conseguir auxílio para o transporte para outro município foi apontada por Nely Martins, vice-presidente do Compir e Rainha do Congado. 

Representantes dos Reinados e Congados defenderam o acesso a informação para todos, além de sugerirem medidas diversas para proteger os eventos de mudanças na administração municipal. Eles lamentaram exigências como a obrigatoriedade de Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) para a prestação de contas, pois muitos colaboradores não têm o documento. Geraldo da Silva, representante do Reinado Nossa Senhora do Rosário, fez um apelo pela visibilidade das demandas dos povos de origem africana”. “O Estado e a Igreja se juntaram para nos exterminar e utilizar nossos corpos até o exaurimento”, afirmou Padre Mauro, acrescentando que a estrutura é essencialmente racista. Mauro disse que os representantes dos Reinados, reiteradamente ficam pedindo “migalhas” como a utilização de banheiros químicos nos eventos. “Quem detém o poder são homens brancos, e são muito poucos”, disse. Macaé ratificou o protesto: “É muito triste chegar à 2022 tendo que mendigar banheiro público”. 

Avanços, diálogo e propostas
 
A diretora da Diretoria de Reparação e Promoção da Igualdade Racial (Depir) da Smasac, Tânia Cristina Silva de Oliveira ou Makota Kisandembu, disse que em 2020, com o advento da pandemia de colonavírus, o Compir se concentrou em cuidar da insegurança alimentar. Em 2021 foi instalado um conselho paritário com membros do Executivo e da sociedade civil, e as atividades referentes ao tema da audiência foram retomadas. Ela afirmou que, neste ano, grande parte das pessoas está envolvida em questões eleitorais, o que afeta os trabalhos. Makota afirmou que a Prefeitura tem atuado em questões como a do Quilombo Mangueiras, realizando uma série de ações através de um Grupo de Trabalho e da Secretaria Municipal de Obras. 
 
Ela disse que o órgão de Igualdade Racial tem que subir de patamar para assegurar o fortalecimento das políticas públicas no setor, e concluiu que “nós, povos de matriz africana, sabemos de nossa responsabilidade com o mundo. A África dá e mantém humanidade”. A diretora reivindicou verbas para a execução de políticas públicas e a inclusão dos eventos de matriz africanas no calendário oficial, além da inclusão dessas políticas no próximo Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG), planejamento de médio prazo do Município. “A política pública de promoção de igualdade racial vem avançando”, assegurou.  
 
Assessora de Articulação Institucional da SMC, Arminda Aparecida de Oliveira disse ser importante que as ações municipais sobre o tema ocorram de forma orgânica e afirmou que a secretaria está aberta ao diálogo, podendo, em alguns casos, emitir ofício para o uso gratuito de logradouro público. Ela afirmou que a secretaria tem projetos como o Caravana da Cultura, que esclarece dúvidas dos empreendedores culturais sobre a inscrição de projetos em editais, e o Mapa Cultural, plataforma de software livre, gratuita e colaborativa da Fundação Municipal de Cultura (FMC), com informações sobre o cenário cultural de Belo Horizonte, que não tem registro dos Reinados. Arminda disse que o reconhecimento dos Reinados e Congados da capital mineira pelo Ministério do Turismo está em curso, previsto para 2023. Ela sugeriu que entrem no orçamento do município ações revertidas diretamente para os Reinados. A representante da SMC afirmou que irá levar ao setor responsável a proposta de construção de um cadastro conjunto com a Smasac para inserção no Mapa Cultural. 
 
Thiago Alves da Costa, subsecretário de Direito e Cidadania e representante da Smasac, sugeriu que o Compir validasse o cadastramento dos Reinados de maneira oral e desburocratizada, em um formulário mais simples, e que o registro poderia ser feito via WhatsApp, por exemplo. Macaé sugeriu que esse cadastramento fosse conjugado com o do Mapa Cultural, o que foi aceito pelos representantes das secretarias municipais presentes. Costa disse que há pequenas alterações de datas nos calendários dos Reinados, o que dificulta a inserção no calendário anual. Ele acrescentou que o poder público pode registrar o evento dos Reinados como colaborador, sendo o evento público e não estatal, e buscar a isenção de taxas. 
 
O subsecretário também disse que a Smasac tem um contrato com número limitado de fornecimento de banheiros, e pode verificar a disponibilização gratuita dos mesmos se solicitado antecipadamente. Ele disse que a segunda taxa para liberação de evento poderia ter isenção via Depir ou SMC. Eventos públicos de duração breve podem ser enquadrados em manifestação cultural, mas os Reinados duram mais de um dia, e requerem licenciamento por trazerem impacto de trânsito, entre outros. O subsecretário concorda que os editais deveriam ser mais sucintos. E reforçou a afirmação da Makota de que os esforços da Smasac estavam voltados para a mitigação dos efeitos da pandemia de coronavírus num passado recente. “O prefeito defende uma cidade viva, com ações com o mínimo de burocracia”, concluiu. 
 
Macaé Evaristo agradeceu a presença de todos, dizendo que o debate não se encerra na audiência. A parlamentar irá verificar como as demandas feitas podem incidir no orçamento do Município, e afirmou que irá fazer três indicações. Uma é sobre a articulação conjunta da SMC e Smasac para o cadastro dos Reinados no Mapa Cultural, e outra sobre a possibilidade de pensar uma etapa da Caravana da Cultura que atenda as irmandades. A última indicação é para que a SMC faça uma audiência com representantes de guardas e irmandades para verificar a possibilidade de participação dos mesmos do cadastro a ser feito para o Ministério da Cultura. “Vamos ter outras oportunidades de diálogo. Vou continuar trabalhando pela representatividade dos Reinados”, concluiu. 

Assista à reunião na íntegra.
 
Superintendência de Comunicação Institucional

Audiência pública para debater a Importância da Promoção e Valorização da tradição do Reinado em Belo Horizonte