Entidades públicas e ex-usuários comprovam eficácia das comunidades terapêuticas
Gestores de políticas federais e estaduais expuseram dados e defenderam modelo de tratamento e reinserção copiado em outros países
Foto: Karoline Barreto/CMBH
O reconhecimento e a valorização das comunidades terapêuticas de acolhimento, tratamento e reinserção social de dependentes químicos pela Prefeitura de BH foram defendidos em audiência pública da Comissão de Saúde e Saneamento, nesta quarta-feira (13/10). Incluídas nas normativas dos atuais governos federal e estadual para prevenção e enfrentamento do problema, as instituições vêm obtendo resultados significativos nos últimos três anos, segundo a Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas (Senapred) e a Subsecretaria de Políticas sobre Drogas (Supod) de Minas Gerais. O presidente da Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades Terapêuticas da Câmara dos Deputados, Eros Biondini (Pros), e ex-internos também elogiaram o modelo e defenderam a instituição da política municipal de incentivo à reinserção profissional, proposta em projeto de lei de autoria de Cláudio do Mundo Novo (PSD), considerada essencial para o restabelecimento de vínculos e recomeço da vida pelos afetados.
O requerente da audiência, Cláudio do Mundo Novo, e o colega Nikolas Ferreira (PRTB), também envolvido com a causa, elogiaram o trabalho das comunidades terapêuticas (CTs) e lamentaram a ausência de incentivo e reconhecimento da Prefeitura de Belo Horizonte, inclusive pela atual gestão. Segundo eles, por meio dessas instituições, as igrejas suprem a lacuna gerada pela omissão do poder público ao promoverem a recuperação das habilidades educacionais, vocacionais e profissionais de jovens e adultos, prejudicadas pelo uso e abuso de álcool e outras drogas, e o restabelecimento de laços familiares e sociais rompidos em razão da dependência química. Considerando a necessidade de informar a população e trazer o debate à pauta da cidade, eles já solicitaram à Comissão de Saúde e Saneamento a realização de visitas a duas unidades situadas na Capital, onde testemunharam a dedicação das equipes e a qualidade do trabalho.
Cláudio fez um breve relato de sua luta iniciada na Missão Mundo Novo, fundada em 2005 por Eros Biondini. Como um dos primeiros frutos, ele citou o PL 111/21, que institui Programa Municipal de Incentivo ao Emprego e à Reinserção Social de Dependentes Químicos e inclui as CTs entre as destinações do Fundo Municipal sobre Drogas. Biondini, hoje deputado federal, “salvo do fundo do poço das drogas” há mais de 30 anos, salientou que a maior expectativa dos egressos do acolhimento é a reinserção profissional, fundamental para restabelecer a autoestima, os laços sociais e evitar a recaída.
Segundo o parlamentar, há 50 anos as CTs vêm libertando milhares de dependentes e suas famílias. Hoje são 2 mil unidades no país, 200 delas em Minas Gerais, atendendo 100 mil pessoas, 26 mil financiadas pelo governo estadual e prefeituras; a metodologia, comprovadamente eficiente, já foi copiada nos Estados Unidos, Canadá, Rússia e vários países europeus e africanos. Em âmbito federal, o modelo vem sendo valorizado e o relator do Orçamento já garantiu que o setor será contemplado. “Tudo isso, porém, ainda é pouco para retribuir o bem que elas fazem à sociedade ao acolher e dar oportunidade a nossos irmãos que estão pelas ruas e salvar nossos filhos do mundo das drogas”, afirmou Biondini.
Protagonismo e resultados
O secretário Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas (Senapred), Quirino Cordeiro Jr, salientou os avanços da nova Política Nacional e da nova Lei Antidrogas, que entraram em vigor em abril e julho de 2019, respectivamente, nas quais as comunidades terapêuticas ganharam protagonismo “mais que merecido” na rede de assistência e maior segurança jurídica, a exemplo da regulamentação do acolhimento de adolescentes, atingindo resultados “extremamente relevantes”. A ampliação do financiamento e as ações concretas do governo quadruplicaram a oferta de vagas gratuitas (de 2.900 em 2018 para quase 11 mil em 2021) e a capacitação de profissionais dá mais qualidade ao atendimento. Cordeiro ressaltou ainda a criação de frentes em outros estados e o maior aporte de recursos oriundos de emendas parlamentares.
Segundo a diretora do órgão, Cláudia Leite, dados da Organização das Nações Unidas (ONU) apontaram que haviam 35 milhões de dependentes químicos no mundo em 2019 e apenas um em cada sete recebem tratamento; no Brasil, os avanços do atual governo, como o desmembramento da política (redução da oferta de drogas e repressão do tráfico a cargo do Ministério da Justiça e Segurança Pública e prevenção e recuperação de usuários a cargo do Ministério da Cidadania), adequação de orçamentos e estrutura às diferentes secretarias já produziram resultados. Em MG, o governo federal investe hoje em 83 CTs, com 1.802 vagas; outros 87 estão sendo habilitados e acolherão mais 2.173 pessoas. Na Capital e Região Metropolitana, o número de CTs vai passar de sete para 16, com 442 novas vagas. Emendas parlamentares permitirão o aporte de R$ 23 milhões para o estado e R$ 14 milhões para a RMBH .
A gestora considerou que o PL 111/21 representa um avanço efetivo e apontou que a contratação de recuperados e investimento em programas internos também trazem vantagens para as empresas, melhorando sua imagem e retorno à sociedade, aumentando a produtividade e o comprometimento dos empregados, reduzindo o absenteísmo e a rotatividade. No Brasil, seguindo Cláudia, apenas 5% das empresas possuem algum programa de prevenção e combate ao uso de drogas, contra 90% nos EUA, Canadá e Inglaterra.
Governo do estado
A inclusão e valorização das CTs estão sendo replicadas em âmbito estadual de acordo com a superintendente da Supod, Patrícia Magalhães. Ex-usuária de drogas, com trajetória de rua, Patrícia foi acolhida e tratada numa dessas instituições, à qual atribui sua recuperação e reinserção na sociedade que lhe permitiram estar à frente da Superintendência desde 2016. “Eles me abraçaram, me carregaram no colo, acreditaram na minha recuperação e me deram oportunidade”, agradeceu a cidadã belo-horizontina, que reconheceu os esforços do governo federal e o alinhamento do governo do estado. Patrícia comunicou que o Plano de Prevenção e Reinserção Social apresentado pela Supod, a Secretaria de Estado de Planejamento e a Fundação João Pinheiro para ampliação do atendimento foi aprovado e será lançado em dezembro. Dados apurados junto a gestores, ex-acolhidos e familiares em agosto e setembro de 2021 apontaram que para 94% dos respondentes os CTs contribuiram para a reinserção, mas 92% não encontraram apoio ao deixar a instituição.
As maiores dificuldades na reinserção, além do retorno ao ambiente de uso de drogas, é a baixa escolaridade, indicando que as políticas devem incluir parcerias voltadas à educação e retorno à escola. De acordo com a superintendente, infelizmente a Prefeitura de BH não se alinhou aos esforços dos governos federal e estadual e não possui nenhum conselho, superintendência ou secretaria voltada à questão.
Perspectiva das instituições
Administradores de CTs, muitos deles ex-usuários, defenderam a metodologia baseada no acolhimento dos usuários e no tratamento da dependência através da disciplina e da laborterapia ocupacional, com engajamento dos internos em atividades coletivas, profissionais e espirituais. As experiências como recuperados e depois como recuperadores nessas instituições foram relatadas pelo teólogo acadêmico em Serviço Social Diego Aguiar; Billy, da Fazenda Renascer; Ronaldo Viana, da Terra e Solidariedade; o empresário e pastor Onézimo Domingos; o vereador de Pará de Minas Juninho JR; e o assessor de Biondini, João Herbert, que confirmaram a relevância da reinserção profissional para os egressos.
Ronaldo denunciou o desrespeito à política nacional, a “perseguição” e o “extermínio” dos CTs em Belo Horizonte pelo atual coordenador de Saúde Mental, o Conselho Regional de Psicologia e a Frente Mineira de Saúde Mental, que alegam defender o princípio da liberdade da luta antimanicomial, e contestou a “associação mentirosa” persistente das comunidades terapêuticas com manicômios e práticas de tortura. Billy, que é integrante do Conselho Municipal Antidrogas, apontou o desmonte e a interrupção das atividades da entidade e defendeu sua reativação, com caráter deliberativo e participação no encaminhamento e fiscalização da política municipal em articulação com os outros órgãos.
Ao final, Cláudio do Mundo Novo anunciou que vai conversar com o prefeito Alexandre Kalil (PSD) sobre as questões tratadas e promover novas audiências sobre o tema, com a presença da Secretaria Municipal de Saúde, Conselhos Municipal e Estadual de Saúde e Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde, que não enviaram representantes à reunião.
Assista ao vídeo da reunião na íntegra.
Superintendência de Comunicação Institucional