REVISTA - BH 125 ANOS

Entre avanços e retrocessos, mulheres seguem em busca de igualdade de direitos

Maioria da população brasileira, mulheres não chegam a ocupar 10% dos espaços políticos. Na CMBH, bancada feminina cresceu na última eleição

segunda-feira, 16 Janeiro, 2023 - 16:30

Foto: Marcos Santos/USP Imagens

O ano é 1932. Há exatos 90 anos, mais especificamente no dia 24 de fevereiro, o então presidente Getúlio Vargas decretava: “É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste Código”. Assim está escrito no Decreto 21.076, o chamado Código Eleitoral, que proporcionou às mulheres participarem, pela primeira vez, de um processo eleitoral no Brasil. Dois anos depois, na Constituição de 1934, esse direito passou a figurar na Carta Magna brasileira. Depois de nove décadas, as mulheres ainda lutam contra a violência política e tentam ampliar sua participação nos Poderes Legislativos, Executivo e Judiciário.

Benilda Regina Brito é assessora da sociedade civil na ONU Mulher. Para ela, há um contexto conjuntural que violenta as mulheres de todas as formas. “Nós mulheres sofremos imensas e diversas violências políticas. O olhar que recai sobre nós é de extrema incompetência, incapacidade, tentando garantir que a atuação da mulher tenha que ser sempre no espaço privado”, afirma. Benilda explica ainda que a não criminalização dessas violências ajuda na sua perpetuação: “A gente tem que entender que não podia imperar a impunidade, e isso acontece muito com a banalização e a desqualificação, que acabam inibindo a participação de muitas mulheres na vida política”.

Parlamentar de primeiro mandato na Câmara de BH, Macaé Evaristo (PT) acredita nas políticas públicas como forma de reduzir essas violências. “É uma oportunidade de apoiar agendas importantes, como a ampliação de creche e pré-escola e defesa da escola em tempo integral e integrada, fundamentais para as mães irem trabalhar despreocupadas. Sei que nossa presença neste espaço é elemento de estímulo para que outras mulheres como eu estejam aqui”, afirmou Macaé, que a partir de 2023 ocupa uma cadeira na Assembleia Legilativa de Minas Gerais.

Maioria com menos espaço

No Brasil, segundo o IBGE, 51,8% da população é formada por mulheres. Porém, a superioridade numérica não é fator determinante para uma ocupação proporcional em espaços políticos. A participação e a representação de mulheres na política formal ainda estão muito distantes da composição da população brasileira. A nível mundial, o Brasil tem uma das proporções mais desiguais entre homens e mulheres em cargos eletivos, ficando atrás de países como Arábia Saudita e Afeganistão, e é a terceira pior da América Latina. Nas diferentes instâncias, elas não chegam a ocupar nem 10% das cadeiras. Para a vereadora Bella Gonçalves (Psol), é preciso aumentar essa participação: “O direito ao voto feminino, a garantia das cotas do tempo de TV e rádio e o uso do fundo partidário para as mulheres são medidas que estão fazendo crescer o número de mulheres na política. Quem acha que isso é errado e está jogando contra”.

O instituto Update, que pesquisa e fomenta novas práticas políticas na América Latina, publicou em 2020 um estudo chamado Eleitas: Mulheres na política mostrando que apenas 24% dos espaços de tomada de decisão nos parlamentos do mundo são ocupados por mulheres. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre as eleições gerais de 2022 dão conta de um aumento de 18,2 % no número de mulheres eleitas para a Câmara dos Deputados. A bancada feminina será composta por 91 mulheres a partir de 2023, saltando de 15% para 17,7% das cadeiras. Para a vereadora Iza Lourença (Psol), é preciso avançar para além dos espaços de poder. “Sabemos que somente a representatividade não avança na conquista de direitos. É preciso que as mulheres que ocupam a política tenham compromisso com as pautas de gênero”, ponderou.

A professora do Departamento de Ciência Política da UFMG e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (NEPEM), Marlise Matos, destaca que é uma falácia achar que as mulheres não querem ou mesmo não sabem participar da política. “Não existe um movimento social que não tenha a força e a luta das mulheres. A questão é que elas encontram mais obstáculos para se candidatarem e se elegerem, como a múltipla jornada de trabalho e a dificuldade em captar recursos para campanhas”, declarou a professora em debate promovido pelo Espaço do Conhecimento da UFMG.

Mudanças a partir de BH

Tentando caminhar na contramão da sociedade patriarcal, é possível verificar em BH avanços conquistados pelas mulheres na Câmara Municipal. Avanços significativos são observados desde o longínquo ano de 1949, quando a escritora e educadora Alaíde Lisboa foi eleita a primeira vereadora de BH e primeira mulher a exercer o cargo em Minas Gerais. Escritora, jornalista e educadora, Alaíde foi professora em Lambari e faleceu aos 102 anos, em 6 de novembro de 2006.

Sessenta anos depois, em 2009, a então vereadora Luzia Ferreira fez história assumindo a presidência da Câmara Municipal de BH. Ela foi a primeira mulher a estar no cargo e também assumiu interinamente a Prefeitura, durante ausência do chefe do Executivo Municipal. Para Luzia, assumir a presidência foi só mais um entre tantos passos ainda necessários. “Somos muito poucas nos parlamentos, seja no plano municipal, estadual ou federal, sem falar nos espaços do Executivo. Fiquei muito feliz em, depois de 112 anos da nossa capital, ter ocupado a presidência do nosso Legislativo e ter sido a primeira mulher a receber essa honrosa missão. A sociedade festeja quando uma mulher ocupa esses espaços”, ressaltou Luzia, que ainda exerceu mandatos como deputada estadual e federal.

De acordo com a vereadora Marcela Trópia (Novo), é preciso também festejar. “Com muito esforço e competência, nós mulheres temos conquistado cada vez mais espaços na política. E isso se mostra não apenas no aumento de mulheres eleitas, mas também no volume de profissionais em secretarias, chefia de gabinetes, assessoria legislativa e outros cargos técnicos de alta relevância, como a própria presidência da Câmara Municipal”, afirmou Marcela, apoiada por sua companheira de partido, Fernanda Pereira Altoé (Novo). “As vereadoras da Câmara Municipal de Belo Horizonte representam a diversidade do mundo feminino na cidade e a importância da representatividade de todos os tipos de mulher. Mulheres para entender, a fundo, as necessidades de outras mulheres”, disse Fernanda.

Nas últimas eleições municipais, dez mulheres, o que representa quase 25% das vagas, foram eleitas para o mandato 2021/2024, a maior bancada feminina da história do Legislativo Municipal. Além disso, a Casa foi presidida por quatro anos (2019/2022) por uma dessas mulheres, a vereadora Nely Aquino (Pode), e tem avançado significativamente em debates que interessam à comunidade e a “elas”, tanto por meio de projetos e leis quanto em audiências e outras ações promovidas pela Comissão de Mulheres, criada em 2019. Temas como parto humanizado, violência de gênero, violência contra a mulher, atendimento a grávidas e parturientes, importunação sexual, educação, profissionalização, entre outros, estão diariamente na pauta da CMBH.

Em 2022, a Câmara lançou a campanha institucional de ampla veiculação "Não disfarce a sua dor - A qualquer sinal de violência, procure ajuda e denuncie", com produção de vídeo, spots de rádio, distribuição de panfletos e fixação de cartazes em bares e apresentação no Estádio do Mineirão. Além de incentivar as vítimas de violência doméstica a denunciarem a agressão, a campanha divulgou os serviços do Ponto de Acolhimento e Orientação à Mulher em Situação de Violência, instalado no Núcleo de Cidadania da CMBH desde maio de 2021, por meio de convênio com o Governo do Estado e a Polícia Civil. Dezenas de pedidos de orientação jurídica, acolhimento social à mulher vítima de violência e solicitações de medidas protetivas de urgência foram recebidos pelo Ponto de Acolhimento por telefone, WhatsApp e presencialmente.

De acordo com a vereadora Professora Marli (PP), há resultado quando se investe em políticas voltadas para as mulheres. “Fizemos diversas audiências públicas sobre a valorização e respeito às mulheres. Foram apresentados projetos que visam ampliar os direitos das mulheres, em especial as vítimas de violência”, contou Marli. Segundo a vereadora Marilda Portela (Cidadania), essas ações mostram o avanço da sociedade belo-horizontina. “O nível de participação de mulheres na política é um indicador confiável do grau de amadurecimento das democracias. Em BH, temos trabalhado para votar e aprovar projetos que beneficiam as mulheres da cidade”, afirmou a parlamentar.

Para a vereadora Duda Salabert (PDT), os avanços obtidos pela CMBH são para todas as mulheres da cidade: “Há vários projetos importantes para as mulheres que foram aprovados na atual legislatura. Há que destacar também políticas construídas para mulheres travestis e transexuais que foram historicamente marginalizadas, excluídas de políticas públicas, e que na atual legislatura conseguiram avanços”, explicou Duda, primeira mulher trans eleita vereadora em BH e recordista de votos na Câmara Municipal, contando com 37.613 eleitores - superando os 20.157 votos recebidos por Elias Murad em 2004. Antes, a mulher mais bem votada na capital mineira era Áurea Carolina, que em 2016 alcançou 17.420 votos.

Legislação recente em defesa da mulher

  • Lei 11.423/2022 - Institui a Política de Prevenção e Combate ao Câncer de Ovário
  • Lei 11.407/2022 - Institui o Programa de Dignidade Menstrual na rede pública municipal de ensino
  • Lei 11.380/2022 - Cria o Programa Empresa Amiga da Saúde da Mulher
  • Lei 11.350/2022 - Institui a Semana da Conscientização sobre a Menopausa
  • Lei 11.321/2021 - Determina a disponibilização de sala de apoio à amamentação em órgãos e entidades da administração pública direta e indireta do Município
  • Lei 11.289/2021 - Altera a Lei 8.570/2003, que "Dispõe sobre a criação da Notificação Compulsória da Violência contra a Mulher e da Comissão de Monitoramento de Violência contra a Mulher"
  • Lei 11.261/2020 - Torna obrigatório a bar, casa noturna e restaurante adotar medidas para auxiliar mulher que se sinta em situação de risco em suas dependências
  • Lei 11.258/2020 - Institui medidas de prevenção e combate ao assédio sexual contra a mulher no Sistema Municipal de Transporte Público Coletivo de Passageiros
  • Lei 11.215/2020 - Institui o Programa Tempo de Respeitar
  • Lei 11.167/2019 - Determina a flexão de gênero na alusão a cargos, a empregos e a funções públicas em documentos expedidos por órgãos e por entidades da administração pública municipal direta e indireta
  • Lei 11.166/2019 - Altera a Lei 7.597/1998, que Dispõe sobre assentamento de famílias no Município
  • Lei 11.093/2017 - Determina a criação de um programa contínuo de diagnóstico e tratamento da depressão pós-parto
  • Lei 10989/2016 - Dispõe sobre a reserva de espaço para mulheres no sistema de transporte ferroviário urbano de passageiros
  • Lei 10935/2016 - Dispõe sobre vaga em creche para criança filha ou filho de mulher vítima de violência doméstica, de natureza física ou sexual

Superintendência de Comunicação Institucional

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