COMISSÃO ESPECIAL

Em reunião, jovens negros relatam exclusão e racismo institucional

Números de homicídios confirmam assimetria entre vítimas negras, jovens e periféricas em relação à sociedade como um todo

segunda-feira, 29 Maio, 2017 - 17:15
Participantes da reunião da Comissão Especial sobre Genocídio da Juventude Negra

Foto: Abraão Bruck/CMBH

A Comissão Especial de Estudo formada para tratar dos homicídios de jovens negros e periféricos recebeu na última quinta-feira (25/5) representantes do Fórum da Juventude da Grande BH e de outras associações da sociedade civil envolvidos na questão para apresentar relatos e propostas relacionadas ao tema. Os integrantes encaminharam a realização de visita técnica à Secretaria Municipal de Segurança Urbana e Patrimonial para apresentar o trabalho do grupo e conhecer as políticas de atuação do órgão, e agendaram outras duas reuniões preliminares, que subsidiarão a realização de seminários participativos.

A criação da comissão especial, de iniciativa do vereador Arnaldo Godoy (PT), foi motivada pelos números apurados no relatório final da CPI da Câmara dos Deputados, segundo o qual morreram 73% mais negros que brancos no país em 2002, contra 146,5% em 2012, apontando que a taxa de homicídios de negros em relação à de brancos mais que duplicou em um período de dez anos. De acordo com Godoy, as causas dessa violência são históricas e têm suas raízes nas centenas de anos de escravidão, que fazem com que, até hoje, os negros se encontrem na base da pirâmide social brasileira, carecendo de políticas públicas que ajudem a incrementar sua condição econômica e inclusão na sociedade.

A relatora Áurea Carolina (Psol) recapitulou o plano de trabalho da comissão especial: reuniões de sensibilização sobre a questão, com a participação de convidados, e visitas técnicas a organizações sociais e órgãos públicos no intuito de avaliar ações e políticas voltadas ao tema, seguidos de realização de seminários e produção de um relatório contendo as observações e recomendações referentes a questão.

Hélio da Farmácia (PHS) considerou uma “vergonha para o país” a perpetuação das assimetrias sociais decorrentes da questão racial em um país caracterizado pela miscigenação e pela diversidade e reforçou a educação como principal caminho para a superação das desigualdades e dos fatores históricos que originaram essa distorção, disponibilizando-se a integrar e a reforçar as ações e propostas da comissão especial.  “Nasci na periferia e já testemunhei de perto essa situação”, revela o parlamentar, para quem a educação somada ao reforço da autoestima poderá levar os negros “aos mais altos patamares da sociedade brasileira”.

Ativistas denunciam racismo e indiferença

Apresentando números alarmantes de homicídios no país e na cidade que confirmam a assimetria entre os números de vítimas negras, jovens e periféricas em relação à sociedade como um todo, o ativista e assessor do gabinete da vereadora, conhecido como Do Pente, exibiu vídeos denunciando o genocídio físico, cultural e epistemológico da juventude negra e destacou o caráter estrutural e institucional do racismo na sociedade brasileira como um dos fatores que levam à desvalorização dessas vidas. Criticando o perfil “homem-branco-hetero-classe-média-alta” que caracteriza o Legislativo Municipal, ele lamentou a indiferença institucional em relação às altas taxas de exclusão e mortalidade dos jovens negros periféricos, refletida inclusive na naturalização de piadas, estigmas e estereótipos referentes à inferioridade e a subalternidade dos negros.

Outros jovens e integrantes de movimentos que se sentaram à Mesa relataram situações testemunhadas ou vivenciadas de racismo institucional e discriminação na rua, na escola e no mercado de trabalho, com notórias e humilhantes diferenças de tratamento por parte de professores e colegas de classe, chefes e colegas de trabalho, sem falar na truculência e desrespeito na abordagem policial e midiática (“preto não tem nome nem sobrenome”, “quando morre ninguém liga”). Segundo eles, a marginalização histórica, somada à ineficiência das políticas educacionais, culturais e inclusivas, naturaliza a exclusão e solapa a autoestima e a motivação dos jovens negros, carentes de valorização e pertencimento. A advogada Nana Oliveira (foto) relatou discriminações sofridas por ela na faculdade e no ambiente de trabalho, pelo simples fato de ser negra.

Educação e ações afirmativas

Entre os relatos de portas fechadas, discriminação, hostilidade e exclusão social em diferentes situações e ambientes, inclusive o escolar, apresentados por jovens presentes, também foram mencionadas ações, encontros, coletivos, plataformas e mobilizações que vêm se construindo em torno da questão, no sentido de articular, promover e dar visibilidade às demandas e subsidiar a elaboração de políticas de inclusão. Com a participação de entidades e dos próprios jovens, o enfrentamento da violência contra a juventude negra se organiza em torno da defesa de valores como dignidade, expressão, respeito, diferença, liberdade e autonomia, ao lado de reivindicações como acesso à justiça, direito à cidadania, ações socioeducativas em lugar de medidas higienistas, desmilitarização das polícias e alterações na política sobre drogas, que criminalizam sobretudo os jovens negros.

Ativistas do movimento negro como Gil Amâncio (foto), DJ Francis, Isabel Cupertino, Diva Moreira, Felipe Saboia e Nívea Sabino, entre outros, apresentaram testemunhos pessoais, expuseram índices e marcas do racismo institucional na sociedade brasileira e reforçaram a pouca receptividade da sociedade e da esfera política em relação aos negros periféricos. Para eles, a discriminação e tratamento diferenciado até hoje observados no Brasil evidenciam uma questão racial, vinculada à cor da pele e ao cabelo crespo, e não social, relacionada à pobreza ou à falta de escolaridade. Foi lamentado ainda o desprezo e o descaso em relação a crianças negras por parte de professores e também de médicos e enfermeiras, o que só poderá ser superado através da educação e promoção de ações afirmativas.

Amâncio ressaltou as dificuldades de aceitação e assimilação da cultura, religião, costumes e modos de produção mais festivos, alegres e menos apressados da cultura africana, indígena e quilombola em uma sociedade euro-cristã-monoteísta-capitalista voltada à produção, ao lucro, ao consumo e à destruição da natureza.

Novas reuniões e seminários

Após ouvirem o depoimento e lamentarem a dor de Ana Paula, uma mãe que perdeu recentemente o filho em confronto com policiais no Aglomerado da Serra, os ativistas também questionaram a facilidade de acesso dos jovens a armas de fogo e salientaram a necessidade de revisão das políticas antidrogas, nas quais os “pequenos trabalhadores do tráfico”, a parte mais fraca de grandes e poderosas organizações, são criminalizados e aniquilados com a prisão e a morte. Para evitar o envolvimento com a criminalidade, fazem-se necessárias políticas de inclusão na educação, esporte, cultura e lazer, prevenindo a evasão escolar, ofertando capacitação profissional e salários justos, proporcionando novas perspectivas de inclusão e valorização do jovem negro periférico.

Para dar continuidade ao trabalho da comissão especial, Áurea Carolina anunciou a realização de mais duas reuniões de sensibilização, no intuito de tematizar, ouvir e mobilizar diferentes instâncias e movimentos em torno da causa. Esses encontros preliminares deverão subsidiar a promoção de seminários participativos, envolvendo instâncias e atores pertinentes, na busca de caminhos para enfrentamento do problema em âmbito municipal e atuar como referência para outras casas legislativas.

As reuniões foram agendadas para a última quinta-feira dos meses de junho e de julho, na Câmara Municipal, e os seminários serão oportunamente agendados e divulgados.

Superintendência de Comunicação Institucional

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