NOVA LEI

Intensamente debatida, tração animal deve ser extinta em BH em dez anos

Texto prevê substituição de carroças por veículos de tração motorizada de baixo custo. Alguns trechos foram vetados e decisão caberá à CMBH

segunda-feira, 25 Janeiro, 2021 - 15:45

Foto: Abraão Bruck/CMBH

Após dividir, há pelo menos duas legislaturas, a opinião de trabalhadores, defensores dos animais e vereadores da Capital, as carroças puxadas por animais serão extintas em BH no prazo de dez anos. A Lei 11.285,  que cria o Programa de Substituição Gradativa dos Veículos de Tração Animal, o Carreto do Bem, foi sancionada pelo prefeito Alexandre Kalil no Diário Oficial do Município (DOM), no último sábado (23/1). Alguns trechos do texto aprovado pela Câmara Municipal de Belo Horizonte foram vetados pelo prefeito, como a microchipagem obrigatória dos cavalos e as condutas para apreensão de animais em situação irregular. A decisão final sobre os vetos parciais caberá ao Plenário, que poderá mantê-los ou rejeitá-los. O texto que deu origem à lei foi apresentado em 2017 pelo então vereador e hoje deputado estadual Osvaldo Lopes (PSD), mas desde 2013 o tema já vinha sendo discutido em audiências públicas e foi alvo de manifestações contrárias e favoráveis na CMBH. Votado em 1º turno em 2018, o projeto chegou a ter a tramitação suspensa e foi finalmente aprovado em 2º turno na penúltima reunião ordinária de 2020. Em recesso parlamentar, vereadores repercutiram a nova lei por meio das redes sociais; o líder de governo, Léo (PSL), anunciou que serão previstas ações de capacitação dos condutores para operarem o veículo de tração motorizada e criadas políticas públicas para a transposição dos carroceiros para outros mercados de trabalho. 

Carreto do Bem e vetos parciais

No texto sancionado pelo chefe do Executivo está prevista a substituição dos veículos de tração animal por de tração motorizada, e ainda a proibição da utilização da tração animal, em definitivo, no prazo de dez anos, contados a partir da publicação da lei. O descumprimento da norma implicará em aplicação de multa em valor a ser estabelecido pelo Executivo, que poderá firmar convênio com instituições públicas e/ou privadas, objetivando a implementação da lei.

Os trechos vetados pelo prefeito são dois artigos (3º e 6º) e dois parágrafos (1° e 2° do Art. 4°). O Art. 3° previa a identificação e o cadastramento dos condutores de veículos de tração animal, no prazo de um ano, bem como a verificação das condições de saúde e microchipagem dos animais utilizados nos veículos, em conjunto com assinatura de termo de guarda responsável do seu condutor. O dispositivo vetado também previa ações para viabilizar a capacitação dos condutores de veículos de tração animal a conduzirem transporte de tração motorizada, como também a migração, por meio de políticas públicas, dos condutores de veículos de tração animal cadastrados para outros mercados de trabalho.

Outro trecho barrado, o Art. 6º dizia que a execução do programa seria realizada por ação conjunta da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, da Secretaria Municipal de Saúde, da BHTrans, e da Guarda Municipal da cidade.

Ao justificar seu veto aos dois artigos, Kalil citou a inconstitucionalidade das proposições, uma vez que criam obrigações e dispõem sobre atribuições de órgãos da administração pública, determinando a forma de atuação do Poder Executivo, caracterizando a usurpação de iniciativa legislativa privativa do prefeito e a ocorrência de afronta à reserva de administração.

Também vetados, os parágrafos 1º e 2º do Art. 4º previam, respectivamente, que o animal encontrado em trabalho de tração fosse retido pelo agente fiscalizador, que deveria acionar o órgão municipal competente para realizar seu recolhimento; e o animal apreendido seria encaminhado ao Centro de Controle de Zoonoses para verificação das condições de saúde e alojamento, até que seja levado à adoção. Em relação a esses dispositivos, o chefe do Executivo alegou que, além da inconstitucionalidade, os trechos padecem de vício formal por violação ao princípio da separação de poderes.

Os vetos agora retornam à Câmara, onde será montada uma comissão especial para analisá-los. A decisão final cabe ao Plenário, que poderá manter os vetos ou derrubá-los.

Comissão de capacitação

O líder do governo na Casa, vereador Léo, utilizou as redes sociais para anunciar que “será formada uma comissão que prevê ações de capacitação dos condutores para operarem o veículo de tração motorizada e criação de políticas públicas para a transposição dos carroceiros para outros mercados de trabalho. Não somos contra os carroceiros, mas nossos animais merecem dignidade”, dizia a postagem.

Bella Gonçalves (Psol), vereadora reeleita que votou contra o projeto em 2º turno, também se manifestou em suas redes sociais, onde reproduziu uma declaração da Comissão Pastoral da Terra dizendo que “ao propor a substituição dos animais por motos adaptadas, [a lei] trata cavalos, mulas e burros como meras ferramentas de trabalho, mas que os carroceiros, no entanto, possuem outras formas de vínculo com esses animais, baseadas em relações de afeto e memória”.  

O autor do projeto, Osvaldo Lopes, disse que BH se une a "dezenas de cidades evoluídas do país, que já estão substituindo a tração animal pela motorizada", e agradeceu ao prefeito pela sanção.

Gabriel (Patri) acompanhou o momento da sanção na Prefeirura e gravou um vídeo em que comemorou o fim das carroças em dez anos e dos maus tratos, quando existem, aos cavalos.  

Parlamentares recém-chegados à Câmara também utilizaram suas redes sociais para se posicionar a respeito da lei. Miltinho CGE (PDT), que tem na defesa da causa animal uma de suas bandeiras, gravou um vídeo para seus seguidores na noite anterior à sanção do prefeito, explicando que a reunião confirmou a intenção do chefe do Executivo em sancionar parcialmente o texto, de modo a garantir a criação de uma comissão que elaborasse uma política de realocação dos trabalhadores. “A vitória chegou. Finalmente os equinos estão livres da escravidão”, comemorou o parlamentar.

Duda Salabert (PDT) se disse a favor do fim da tração animal, porém demonstrou preocupação após a sanção do prefeito. “A aprovação dessa lei me causou mais apreensão do que alegria. Não basta proibir sem a criação de políticas públicas que garantam a renda dos carroceiros. Lembremos: eles desempenham um trabalho relevante para a cidade, sobretudo por atuarem como agentes ambientais, responsáveis pela destinação correta de resíduos”, declarou na postagem.

A preocupação com a questão social também foi expressa em comentários feitos nas redes sociais das vereadoras Macaé Evaristo (PT) e Iza Lourença (Psol). Iza lembrou que a “questão ambiental e defesa dos animais precisa se conectar com o combate à desigualdade social”. Já a parlamentar do Partido dos Trabalhadores lamentou a aprovação: “Infelizmente não conseguimos evitar a sanção, Kalil já estava com seu posicionamento. Apesar de não ter participado desse processo, reafirmo minha posição de apoio aos carroceiros. Entendo que a atividade faz parte do modo de vida desta comunidade tradicional e precisa ser respeitada”, declarou em seu post, em que reafirmou ainda a necessidade da comunidade continuar se mobilizando.

Zona da Mata e outras cidades

O banimento do transporte de carga por meio de veículos de tração animal é um tema que já vem sendo pensando por outras grandes cidades brasileiras.  Ao menos, os municípios do Recife (PE), Canoas (RS) e Florianópolis (SC) já têm dispositivos semelhantes que vedam a circulação das carroças puxadas por animais em suas ruas.

Em Florianópolis, a norma foi aprovada no ano de 2015 e a capital catarinense teve então dois anos para se adaptar. Desde 2017 não há circulação de carroças nas ruas da cidade. Em Canoas, a lei foi aprovada em 2018 e o município teve dois anos para promover as mudanças. Já a capital de Pernambuco aprovou o banimento da tração animal lá atrás, em 2013, porém só em 2018 o município regulamentou a norma, após determinação do Tribunal de Justiça. A cidade do Recife teve então dois anos para efetivar a medida.

Já aqui em Minas Gerais, a cidade de Juiz de Fora, na Zona da Mata, teve uma lei semelhante sancionada em 2014. A medida que entraria em vigor em cinco anos, em 2019, teve fiscalização iniciada apenas em janeiro de 2020, quando um termo de acordo foi firmado entre a Prefeitura, o Ministério Público do Estado e o Conselho de Proteção Animal. A multa para o flagrante do uso de transporte de carga utilizando a tração animal é punida com multa no valor de R$ 500,00.

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