Acúmulo de lixo nas ruas é queixa comum de moradores e comerciantes

A complexidade do sistema de coleta e destinação do lixo produzido diariamente em Belo Horizonte foi pauta de audiência pública realizada pela Comissão de Meio Ambiente, Defesa dos Animais e Política Urbana, na segunda-feira (18/8). Requerente do encontro, a vereadora Trópia (Novo) exibiu imagens enviadas por moradores de diferentes regionais de BH mostrando a "sujeira nas ruas", situação criticada também por comerciantes. Além do mau cheiro, o acúmulo de lixo prejudica a circulação de pedestres, atrai insetos e roedores e obstrui os sistemas de drenagem. Citando o “longo desafio” da Praça João Pessoa, no Bairro Santa Efigênia, onde catadores e montanhas de materiais que ocupavam o local foram recentemente transferidos para um galpão, a parlamentar destacou a necessidade de "coordenar a utilização do espaço público" e a demanda crescente por reciclagem de resíduos. Ela mencionou ainda insuficiência, mau uso e depredação de lixeiras e pontos de coleta, que aumentam a percepção de cidade suja e mal cuidada, e propôs a construção conjunta de soluções. A valorização de catadores e cooperativas, assim como o incentivo à adesão de empresas à gestão dos próprios resíduos, foram apontados pelos participantes como caminhos para enfrentar o problema. A Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) contestou o cenário descrito, defendendo a boa avaliação dos serviços e a necessidade de colaboração ativa da população.
Após minuto de silêncio em solidariedade ao gari Laudemir de Souza Fernandes, assassinado no último dia 11 de agosto, em Belo Horionte, Trópia relatou que o acúmulo de lixo e entulho em via pública e a coleta seletiva restrita a pouco mais de 10% dos bairros estão entre os problemas mais citados em seus canais de comunicação com moradores da cidade. Segundo dados da SLU apresentados por Trópia, apenas 1,1% das 2,2 milhões de toneladas de resíduos coletados por dia em BH são reciclados, percentual bem abaixo da média nacional de 22%. Cerca de 380 toneladas de lixo são descartados, a cada dia, em 515 pontos irregulares, gerando impactos ambientais, sociais e econômicos.
“Infelizmente, existe um sistema enrijecido em BH. Nossa forma de lidar com o lixo impede que os catadores independentes sejam integrados de forma mais fluida, e as cooperativas ficaram muitos anos sem chamamento público”, lamentou Trópia, recomendando atualização da legislação, revisão de contratos e "mais fiscalização".
Lixeiras e freqência da coleta
A parlamentar apontou ainda que o tamanho reduzido e a distribuição desigual das lixeiras (60% delas estão na Região Centro-Sul) e a falta de coleta seletiva estão entre as principais queixas registradas por seu gabinete. Comerciantes reclamam que, em áreas onde o comércio fecha às 18h ou 19h e a coleta é feita após as 22h, os sacos de lixo ficam expostos e são rasgados e revirados. A vereadora defendeu que, em vez de delegar a solução aos proprietários, é preciso criar condições para o armazenamento do lixo, como contêineres subterrâneos. “Há empreendedores dispostos a pagar, mas o Código de Posturas não permite”, protestou. Em corredores de bares e restaurantes, como a Avenida Fleming, na Pampulha, onde a coleta não é diária, alguns empreendedores estão contratando coleta terceirizada, sem descontos na taxa pública, pagando duas vezes pelo serviço.
Lidiane Tostes, da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL-BH), confirmou que as principais demandas dos associados referem-se ao acúmulo do lixo nas ruas, que gera mau cheiro e atrai insetos e roedores. O baixo número, tamanho insuficiente e vandalização de lixeiras também preocupa o setor, que sugere a adoção de modelos mais rígidos e com maior capacidade; utilização de caminhões menores em horários de fluxo; e orientações aos comerciantes sobre logística reversa, considerando as diferenças de tamanho e segmento.
Outro aspecto levantado foi a "timidez" da logística reversa e a oferta de apenas 40 “pontos verdes” para entrega voluntária de material reciclável. Segundo Trópia, a coleta seletiva porta a porta atende apenas 55 dos 487 bairros de Belo Horizonte, sendo necessária a ampliação. Em relação aos catadores independentes, a vereadora acredita que deve ser exigido, no mínimo, o uso de coletes de identificação, definição de rotas, horários e treinamento.
Colaboração da população
“Sabemos que pode melhorar, mas não está tão ruim assim”, protestou o diretor de Planejamento da SLU, Lucas Cariglio, contestando o cenário descrito e defendendo a boa avaliação dos serviços apurada em pesquisas e no relatório da Ouvidoria.
Sobre as situações retratadas, inclusive o baixo índice de reciclagem, ele salientou a necessidade de colaboração ativa da população. De alto custo para o Município, a adesão dos moradores servidos pela coleta porta a porta ainda é baixa, segundo Lucas. Ele contou que a ampliação da coleta ponto a ponto foi paralisada em razão do mau uso e depredação, mas que novos modelos de equipamentos têm sido testados, bem como sua instalação em espaços internos.
Cariglio apontou ainda que é preciso otimizar as cooperativas nos sentidos produtivo e organizacional para que consigam absorver o volume. Os catadores independentes, segundo ele, muitos em situação de rua, com problemas mentais ou de uso de drogas, teriam dificuldade de organização e disciplina. Para fomentar a logística reversa, segundo Lucas Cariglio, é essencial a adesão e colaboração da indústria e do comércio.
Catadores e cooperativas
Luiza Dulci (PT) ressaltou que a economia do descarte é um desafio global, sendo necessário “ampliar o horizonte e elevar o nível da discussão”. Segundo ela, a legislação federal e municipal já aponta para a logística reversa e a responsabilização de quem produz, distribui e vende; e que os catadores, vistos como pessoas que incomodam, sujam e degradam, são parte importante dessa cadeia e devem ter a função reconhecida, valorizada e bem remunerada.
Vilma Estevam, presidente da Coopersol-Leste, propôs a instituição de catadores-referência remunerados nos territórios para mobilizar e orientar moradores e comerciantes; aumento do valor pago pelos materiais recolhidos, "que hoje é baixíssimo"; e ampliação e modernização de galpões em todas as regionais. A cooperada citou a “coleta da vizinhança”, criada durante a pandemia no Bairro Cidade Nova. Hoje, 400 famílias do bairro têm o material coletado em casa, de forma limpa e ordenada, ao custo de R$ 17 por mês. Grande gerador de resíduos, o Serviço Social do Comércio em Minas Gerais (Sesc-MG) reconheceu a importância da colaboração e hoje tem contrato com a cooperativa. Vilma defendeu ainda a participação do setor nas decisões sobre compra de equipamentos e políticas públicas de amparo aos catadores independentes.
Terceiro setor e setor privado
Diego Azevedo, do projeto Recicla Belô, que cadastrou centenas de catadores para o carnaval deste ano, negou que a maioria esteja em situação de rua e defendeu o reconhecimento e respeito ao trabalho da categoria, com a oferta de condições e remuneração dignas, EPIs, alimentação e orientação. Para ele, é necessária a construção de uma política de inclusão dessas pessoas, alvos de violência e opressão.
“Por mais que tenham galpões, o lugar de trabalho deles é na rua. Reviram o lixo porque querem separar os recicláveis; se já estivesse separado não precisariam”, criticou Diego Azevedo.
Karine Rolim, da OCA Eventos Sustentáveis, também defendeu a aproximação com os catadores, valorização da força feminina e programas de formação de pessoas para trabalhar no ecossistema de eventos, visando a superação da informalidade.
Fundador da Massalas, que coleta resíduos orgânicos em residências e comércios desde 2018, Guilherme Oliveira ressaltou que esse material, que constitui 50% dos resíduos produzidos, é matéria prima para fertilizantes e geração de energia, e que a principal barreira para seu aproveitamento é cultural. O empresário concordou que, assim como a água e a luz ficam mais caras para quem usa mais, é justo que os grandes geradores ajudem a custear a coleta e destinação. Alguns estabelecimentos, segundo ele, vêm assumindo a gestão dos próprios resíduos.
Construção conjunta
Trópia ponderou que a reciclagem não pode depender de "pessoas catando lixo nas ruas em situação de subemprego", mal remunerados e expostos a más condições de trabalho, sendo necessário cadastrá-los e treiná-los, viabilizando sua evolução pessoal e profissional. Como exemplo, citou uma cooperativa de São Paulo em que a capacitação é constante, e na qual a maioria dos trabalhadores se tornam profissionais demandados pelo mercado de logística reversa e sustentabilidade. “Não vejo outra saída a não ser o poder público assumir esse protagonismo”, recomendou. A parlamentar sugeriu o estudo dos termos de referência das licitações e das experiências bem sucedidas de outras cidades.
Sobre o mapeamento e cadastramento dos catadores que, segundo a SLU, já estaria em andamento por meio do projeto Conexão Cidadã, ela ponderou que não é recomendável instituir uma "política paralela" para os que não querem se enquadrar, em detrimento do incentivo aos que cumprem regras e horários, sendo necessário formalizá-los e treiná-los.
Visando a "construção conjunta de soluções", a vereadora afirmou que dará continuidade aos debates com a Secretaria Municipal de Fazenda sobre o incentivo à adesão de grandes produtores a um sistema específico de destinação de resíduos, em parceria com entes privados, com oferta de contrapartidas. Para Trópia, o modelo "desafogaria" a PBH e incentivaria empresas a prestarem esse tipo de serviço. “Quanto mais gente contribuir nessa cadeia, melhor”, acredita.
Superintendência de Comunicação Institucional