GESTANTES COM DEPENDÊNCIA QUÍMICA

Profissionais sugerem criação de abrigos conjuntos para mães e bebês

Temor de perder a guarda do filho vem afastando as gestantes do acompanhamento pré-natal

quarta-feira, 26 Agosto, 2015 - 00:00
Dr. Nilton reuniu atores envolvidos para debater atendimento a gestantes com dependências químicas (Foto Mila Milowski)

Dr. Nilton reuniu atores envolvidos para debater atendimento a gestantes com dependências químicas (Foto Mila Milowski)

Vítimas de dependência química, especialmente do crack, sem suporte familiar ou até mesmo em situação de rua, as gestantes mais vulneráveis do município têm evitado ou mesmo recusado o atendimento nas unidades públicas de saúde, temendo perder a guarda dos filhos. Debatida em audiência pública da Comissão de Saúde e Saneamento nesta quarta (26/8), a situação teria sido agravada por recomendações do Ministério Público que determinam a notificação desses casos, gerando pressão sobre os profissionais e insegurança para mães e bebês. O requerente, vereador Dr. Nilton (Pros) propôs uma articulação com foco na prevenção e a criação de espaços de acolhimento conjunto para mães e bebês.

Editadas em junho e agosto deste ano pela 23ª Promotoria de Justiça Cível da Infância e Juventude do Ministério Público de Minas Gerais, as Recomendações nº 5 e nº 6, relativas ao fluxo do atendimento a parturientes e gestantes em maternidades e unidades básicas de saúde do município, determinam a imediata comunicação à entidade dos casos de mães e gestantes usuárias de substâncias entorpecentes. Como consequência, crianças estariam sendo encaminhadas a acolhimento institucional antes mesmo de tentar localizar e envolver os familiares.

De acordo com Dr. Nilton, também médico e obstetra da rede pública municipal, o cumprimento das recomendações vem gerando pressão sobre os profissionais da saúde, obrigados a lidar com as particularidades de cada caso e a complexidade da situação, que envolve aspectos humanos, sociais, culturais e econômicos. O parlamentar apontou ainda como consequência a insegurança gerada sobre as gestantes, que evitam o acompanhamento pré-natal e até mesmo o atendimento na hora do parto, temendo perder a guarda dos filhos.

O vereador citou ainda a expedição de uma liminar, obtida pelo Conselho Tutelar do município, que desobrigou as instituições do cumprimento imediato das medidas recomendadas permitindo o aprofundamento do debate sobre a responsabilização e o envolvimento de outros atores, com a finalidade de debater as ações e atribuições de cada parte e as possibilidades de articulação entre elas.

Aspectos sociais e humanos

Representantes de maternidades públicas e privadas da capital que compareceram à audiência reforçaram as colocações do vereador, relatando as políticas e procedimentos adotados nas respectivas instituições e suas experiências em relação ao problema. De maneira unânime, todos defenderam a importância da priorização da família e da tentativa de promover seu envolvimento na busca de encaminhamento para essas mulheres e responsabilização pelo acolhimento e cuidados com o bebê.

Para o coordenador do Serviço Social do Hospital das Clínicas, Guilherme Nauto, além da ocupação desnecessariamente prolongada de leitos e espaços nas unidades de saúde, a atribuição desse encargo às maternidades conflita com outras políticas das instituições e códigos de ética profissionais, que incluem o sigilo médico e a relação de confiança entre paciente e equipe. As recomendações também iriam de encontro às determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente, que priorizam a responsabilização e o convívio familiar. A assistente social do Hospital Sofia Feldman, Elisabete Caetano de Oliveira, e o coordenador da maternidade Odete Valadares, Sérgio Monteiro destacaram a importância do estabelecimento de um fluxo de atendimento e encaminhamento que atue desde a atenção básica à saúde, por meio de políticas públicas de prevenção, apoio e acompanhamento, tanto em relação ao uso de drogas quanto à sexualidade segura e o planejamento familiar.

Psicóloga do Hospital Júlia Kubitschek, Maria Eugéria Bueno mencionou a tentativa do estabelecimento de parcerias com os Centros de Referência em Saúde Mental (Cersam) do município, no intuito de prestar atendimento a mulheres vítimas de dependência. A colega Camila Batista, do Hospital Risoleta Neves, apontou os impactos da responsabilização dos profissionais de saúde pelo encaminhamento desses casos, que se refletem na quebra de laços de confiança e já motivaram até mesmo um inquérito do Ministério Público contra a instituição, desconsiderando aspectos jurídicos, econômicos, humanos e sociais que não estão diretamente relacionados ao setor.

Com a abertura do microfone, profissionais da área de saúde, assistentes e ativistas sociais se manifestaram por meio de relatos, questionamentos e sugestões, defendendo a preservação dos laços familiares, o desenvolvimento de ações educativas e preventivas e a oferta de acolhimento voluntário pelo poder público às gestantes que não contem com suporte familiar. Os participantes citaram diversos exemplos, ressaltando a importância de oferecer apoio institucional às mulheres que, com todas as suas limitações ou mesmo incapacidade, fazem questão de ficar com os filhos.

Posicionamento do poder público

Representando a Secretaria Municipal de Saúde, o coordenador de Saúde Mental Arnor Trindade reconheceu as dificuldades encontradas pelo setor público para o cumprimento das recomendações em decorrência das peculiaridades e complexidades de cada caso, tornando necessária a avaliação cuidadosa e individualizada de diversos fatores influentes, como o perfil da gestante, idade, condições gerais de saúde, nível educacional, situação socioeconômica e familiar, idade, tipo de substância utilizada, entre outros. Para ele, o acompanhamento e a definição dos encaminhamentos a serem adotados em cada caso devem envolver equipes multidisciplinares, abrangendo os diversos aspectos envolvidos.

Em Belo Horizonte, segundo ele, existem apenas dois abrigos públicos, que não atendem a essa demanda específica, o que exige a mobilização conjunta de toda a rede de atendimento (educação, saúde, saúde da mulher, prevenção do uso de drogas, planejamento familiar) no sentido de estruturar um fluxo que atenda às diferentes situações, sem o engessamento e a frieza típicos das leis, que nem sempre levam em conta as variáveis mais individualizadas e humanas.

Virgílio de Queiroz, coordenador da área de Saúde da Mulher da SMS, assegurou que o município vem debatendo e buscando formas de promover o ajuste às determinações do MP sem violar outras diretrizes municipais ou comprometer os direitos e a dignidade de mães e bebês. Para ele, a atribuição de decidir sobre o encaminhamento exerce uma pressão inadequada sobre os profissionais das unidades de saúde, e solicitou o apoio do Legislativo Municipal na busca de soluções para o impasse. Os representantes do poder público também apoiaram a reivindicação da criação de instituições específicas para atender a essa demanda.

Encaminhamentos

Como encaminhamentos da audiência, Dr. Nilton propôs que a Câmara Municipal e a Comissão de Saúde e Saneamento, em especial, enviem membros para representá-las nas discussões e deliberações acerca do assunto, contribuindo para tematizar e jogar luz sobre a questão, envolvendo toda a sociedade. O parlamentar referendou a ideia de solicitar à prefeitura a implementação de espaços públicos no formato “casas de acolhimento”, aptas a acolher e acompanhar essas mulheres e seus filhos durante o período pós-natal e a orientá-las para que encontrem novos caminhos. Como exemplo, os participantes citaram e elogiaram a “Casa Mãe-Bebê” do Hospital Sofia Feldman, que garante o acolhimento conjunto das parturientes e seus filhos.

“A maternidade é um momento sensível para que possamos atingir essas mulheres, que se sentem mais motivadas a deixarem as drogas e se a reestruturarem suas vidas”, reconheceu Dr. Nilton. O vereador demonstrou interesse em acompanhar e participar dos trabalhos e oficinas da Comissão Perinatal, organizada pela prefeitura, e reforçou o envolvimento dos Consultórios de Rua e outros programas assistenciais e educacionais do município na construção de uma rede de atendimento, prevenção e apoio.

Lembrando as prerrogativas do Legislativo Municipal, Dr. Nilton sugeriu como forma de atuação da Casa a realização de instâncias junto ao Executivo e a proposição de emendas ao orçamento municipal, de forma a viabilizar a implantação dessa rede. Presente ao debate, o vereador Veré da Farmácia (PSDC) também fez ponderações sobre a relvância da abordagem conjunta da questão e disponibilizou a contribuição de seu mandato para a realização das ações e encaminhamentos que se fizerem necessários. 

Assista ao vídeo completo da reunião.

Superintendência de Comunicação Institucional